domingo, 24 de fevereiro de 2008

PARASHÁ KI TISSÁ `y z ik
Shemot: 30:11 - 34:35
É possível ver D’us?
A parashá da semana nos dá dois argumentos a favor e dois contra. O primeiro argumento contra é visto na condenação à construção do Bezerro de Ouro, através do qual se pretendia construir um deus físico e material. O segundo aparece mais tarde, quando Moshê pede a D’us para vê-Lo: "Hareni na et kevodêcha" — Mostra-me a Tua honra; e D’us responde: "Ló tuchal lirot et Panai" – Não poderás ver o Meu rosto.
Contudo, Maimônides aponta em seu livro filosófico, Moré Nevuchim (O Guia dos Perplexos) que esse diálogo entre D’us e Moshê é mais complexo. No texto bíblico, por duas vezes Moshê se dirige a D’us com seu pedido para vê-Lo. Na primeira ele diz: "Hareni na et kevodêcha" — Mostra-me a Tua honra; e na segunda ele pede: "Hodiêni na et derachêcha" — Mostra-me os Teus caminhos.
Vemos que D’us dá seguidamente duas respostas, uma clara e contundente que já mencionamos: "Não poderás ver o Meu rosto"; e outra, confusa e estranha: "Eu derramarei todo o Meu bem".
Ambas são concluídas em um ato prático no qual D’us tapa o rosto de Moshê, passa diante dele e logo permite que ele veja como se fossem as Suas costas ou o que restou da Sua passagem; a conseqüência, o resultado. Maimônides explica esta estranha e confusa passagem dizendo que Moshê pediu para ver duas coisas distintas e por isso recebeu duas respostas diferentes. Ao pedir para ver a Honra de D’us, Moshê está pedindo para ver a essência Divina, o próprio D’us; e a isso D’us responde que ele não poderá. Porém ao pedido para ver os caminhos de D’us, a conduta Divina, a ética e o bem de D’us, Ele lhe responde que o verá derramado pelo mundo inteiro.
Em outras palavras, é possível ver D’us, conforme Maimônides entende que diz a parashá, mas não desde um ponto de vista mágico, místico nem teológico, ou seja: não como corpo, não como matéria e não em Si Mesmo, em tudo o que D’us é. Somente se pode ver o resultado das ações Divinas, pode se ver a ética Divina realizada na terra.
Mas, cabe aqui perguntarmos: acaso se pode ver isso? O mundo não está cheio de mal, injustiça, sofrimento e dor? Por acaso esta é a bondade Divina?! Esse é o resultado da Sua ética?!
Aqui chegamos ao aspecto mais profundo da interpretação maimonideana que se baseia na literatura talmúdica: somente se percebem os atributos Divinos quando os praticamos. Somente vemos D’us quando tentamos imitá-Lo e nos comportamos como Ele.
Vejamos a grandeza desta reflexão: Não vemos D’us fora de nós, mas sim no momento em que realizamos o melhor de nós em um ato de bondade.
Aqui chegamos ao segundo argumento que a parashá nos dá a favor da possibilidade de ver o Divino no físico-material: Betsalel, o artista plástico do Santuário, é reconhecido nesta parashá como se fosse um profeta que conta com a sabedoria Divina, com o espírito do próprio D’us, ao fazer seu trabalho manual. O próprio D’us, que havia proibido nos Dez Mandamentos a produção de estátuas e de toda imagem, e que nesta condenou o Bezerro de Ouro, nomeia o artista plástico do Santuário: um Profeta. Por sua arte material.
Como assim?
Porque também Betsalel não pretende dizer que a sua obra é D’us. Betsalel não fabrica um D’us. Ele não deifica seus atos e muito menos a si mesmo como criador deles; ao contrário. Ele procura expressar a sua intenção interior de chegar a se comunicar com o Divino, a sua sabedoria e visão interna, por meio de sua arte externa.
Não podemos nem precisamos ver um corpo Divino, uma matéria Divina. Nem na arte, nem nas pessoas, tampouco no mundo do espaço. Mas podemos e devemos realizar o Divino em nosso sentimento interior e em nossa ação concreta para com os demais e para com o mundo.
Shabat Shalom
Rabino Ruben Sternschein

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