quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

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Este ano eu fiz alguns pedidos a D-us nas Grandes Festas (RH e YK). Alguns óbvios e particulares: saúde, sustento (parnassá), paz familiar, e vida plena... Enfim... realmente todo mundo pede isso. Outros pedidos são um tanto utópicos e outro tanto sonhadores, bastante fora da realidade e um pouco difíceis de serem concretizados: paz no Mundo, paz no Oriente Médio, fim das crises e do desemprego no Brasil e no Mundo, fim da fome e da violência aqui e por todos os lugares neste planeta. Eu sei que as chances de se concretizarem estes sonhos e desejos são remotas e pouco prováveis. Mas sonhar é preciso: agir é ainda mais importante. E tem gente agindo e fazendo, e isso ajuda a gente a acreditar que as coisas mudaram e mudarão. Há mudanças no Brasil. Podemos sonhar ??!! O Mundo anda desanimador com Bush X os outros. O que fazer? Mas no nível interno da nossa comunidade, há muitas coisas boas e novas na Kehilá. Alguns sintomas de melhora podem ser vistos: a Escola investiu alto na Educação para a Diversidade. A qualidade do ensino da Escola é conhecida e constatada. A Kehilá, apesar das dificuldades financeiras vai seguindo e acontecendo. O novo prédio tem sido o palco de acontecimentos e eventos. Podemos dizer que modestamente se inicia uma nova era.
As Grandes Festas mostraram coisas antigas e coisas novas. A sinagoga tem adquirido certa vida e relativa participação dos congregantes: há alguma energia espiritual pairando no ar. O líder espiritual prof. Sami Goldstein tem inúmeros sucessos e realizações: trata-se de um jovem "rabi" que mostra um saber judaico amplo, capacidade de predicar e liderar as orações de maneira sensível e entusiasmada. Seu potencial salta à vista e com o passar do tempo acredito que mostrará ainda mais seu valor. Mas creio que há aspectos na sinagoga que poderiam ser aprimorados. Precisamos atrair mais gente e congregar mais ainda os judeus de Curitiba. Não se trata de tarefa fácil. Por isso temos de pensar juntos e refletir para não perdermos mais terreno no âmbito da continuidade comunitária.
Em Rosh Hashaná (RH) e no Yom Kipur (YK) pude sentir momentos de enorme espiritualidade durante os serviços, e momentos de enorme esvaziamento da emoção de estar rezando e me aproximando de D-us. Sei que isto é uma coisa pessoal: alguns conseguem rezar com Kavaná (intenção e envolvimento espiritual) e outros não o fazem. Mas creio que alguma coisa pode ser feita para aprimorar os serviços religiosos. A sagrada leitura da Torá se tornou um dos momentos menos espirituais das orações. Há muitos anos as pessoas se acostumaram a utilizar a leitura da Torá para obter donativos. Creio que tal atitude é necessária e legítima, ainda mais porque as doações revertem para a continuidade do ensino judaico: servem para ajudar a manter a Escola Israelita. Não questiono tal postura: trata-se de uma causa nobre, legítima e judaica. Sem Escola não haverá continuidade; sem ensino não há Judaísmo. Porém deveria se criar uma maneira mais adequada de fazer esta "coleta" de doações. Tenho sugestões e exemplos de outras kehilot que conseguem unir as doações com o respeito e a espiritualidade. Aqui em Curitiba, geralmente são feitas cerca de cinco ou sete repetições da leitura da Torá em cada uma das datas festivas do Ano Novo. Fica um momento mecânico, não participativo e sem significado: o espiritual se perde. Então vemos as tradicionais cenas do oficiante (rabino ou chazan) pedindo silêncio e censurando as pessoas por não se calarem durante as leituras "repetidas" do texto sagrado. Será que as pessoas deveriam ter que ouvir seis ou sete vezes uma leitura que: a) Não entendem b) Não participam c) É mecânica e repetitiva d) Não é explicada. Alguns me diriam: sempre foi assim e não vai mudar. Outros acham que conversar na sinagoga seja um gesto "tradicional": trata-se de um Beit Knesset, ou seja, um local de encontro! Eu discordo: trata-se de um Beit Tefilá: local de orações e estudos. Por sinal, as pessoas são bastante respeitosas durante orações que propiciam sua participação: vejam o exemplo do Erev Shabat (sexta-feira à noite). Como as pessoas participam e como há uma Kavaná coletiva, o serviço transcorre com espiritualidade, respeito e participação. Méritos para nosso líder espiritual e para os congregantes, somados ao fato de ser uma reza conhecida da maioria e repetida semanalmente.
A questão é: como fazê-lo em RH e YK? Nestas datas vêm à sinagoga pessoas que não vêm nas sextas-feiras. É um público heterogêneo. Correto. Mas ainda assim devemos nos defrontar com as dificuldades e buscar maneiras criativas de superá-las. Devemos discutir o que fazer. Há várias opções e diversas possibilidades. De maneira superficial, oferecemos algumas sugestões: a) um coral ou alguns pequenos corais que oficiem parte das rezas b) grupos de estudo com faixas etárias diferentes no decorrer do primeiro semestre do ano que aprendem as orações básicas das Grandes Festas, seu significado e sua "cantilação" (maneira de ser cantada ritualmente). E sem dúvida deve haver outras sugestões e idéias criativas para se tornar o serviço de Iamim Noraim um acontecimento mais espiritual e participativo. Basta que as pessoas interessadas sejam ativistas e participantes das rezas, se reúnam e pensem juntas algumas idéias. Afinal, tem gente que só vai uma vez ao ano na sinagoga: em RH e/ou YK. É a chance de reaproximá-los às suas raízes. Muitos fazem desta data um desfile de moda; outros o momento do encontro com os amigos que não vêem o ano todo; alguns pensam que apenas indo à sinagoga irão captar um pouco da espiritualidade e poderão obter o perdão divino; muitos pensam que devem fazê-lo apenas por um repetitivo hábito que se perpetua de geração a geração, sem entendê-lo ou participar de maneira consciente e ativa. Ficam de lado: alguns falando e outros em silencioso respeito. Temos de repensar esta situação. Ao meu ver há maneiras de traduzir a tradição. Tradição não é estagnação e nem repetição inconsciente de atos e gestos: meu pai fazia, meu avô também e eu repito. Por que fazê-lo? Muitos responderiam: eu não sei!!! É possível repetir todos os anos e não saber por quê?
Temos que traduzir e repensar coletivamente a tradição. A Tradição teve e deve seguir tendo uma razão de ser e existir. Rever o ritual e aprimorá-lo de maneira a não alterar sua essência e seu significado vital. Aumentar a participação de leigos e pessoas distanciadas da tradição; abrir a compreensão aos que não entendem o que significa cada gesto ou ritual; oferecer cursos de Judaísmo, de liturgia e de História para adultos e jovens; buscar atividades que repensem a participação.
E eu não poderia deixar de levantar a minha "utópica" sugestão que me parece incompreensível a algumas pessoas. Rever o espaço e a participação das mulheres na sinagoga. Na sexta-feira (Erev Shabat) as mulheres sentam-se no andar central da sinagoga; no sábado de manhã são direcionadas ao andar superior. Na véspera de festas podem ficar no andar central, mas no dia seguinte perdem seu espaço e são ejetadas ao andar "feminino". Se nos dois andares houvesse uma ala masculina e uma ala feminina haveria espaço "semelhante" e a possibilidade de que as mulheres ocupassem na sinagoga, o mesmo espaço que ocupam na vida real. Seria trazer a sinagoga para os séculos XX e XXI, pelo menos de maneira parcial. Afinal, na CIP (Congregação Israelita Paulista) e em muitas sinagogas conservadoras esta é a norma de distribuição de espaços, há décadas. Ou será que nossa sinagoga é ortodoxa?
Por sinal será que alguém sabe se somos ortodoxos ou conservadores? O que somos? Em alguns momentos somos de um alinhamento/movimento/denominação. Em outros somos de outro. Ora temos microfone; ora não temos. Ora as mulheres estão no andar central; ora devem subir. Sua posição na geografia da sinagoga reflete uma contradição: ninguém sabe que tipo de congregação nós somos? Existem sinagogas mais participativas aonde homens e mulheres compartilham os mesmos espaços, mas isto talvez não seja ainda compreensível para a maioria dos congregantes da nossa Kehilá. Creio que pelo menos nos definirmos como conservadores faria bem à nossa identidade coletiva. Afinal temos que saber quem somos.
Uma observação simples. Imagino que alguns dos homens já se sentaram no andar superior em Bat Mitzvót ou outros eventos. A construção da sinagoga feita no início da segunda metade do século XX tem um projeto bastante anacrônico. A fila um tem boa visibilidade; na dois se enxerga o altar (Bimá) de maneira parcial. Da terceira fila em diante nem as mulheres altas conseguem ver o que se passa. A acústica sem microfone é péssima. A participação mais efetiva de quem não consegue a primeira ou segunda fila se torna poder falar com a vizinha ou olhar o desfile de moda. Espiritualidade e kavaná ficam um pouco difíceis no andar superior. Na minha opinião as mulheres de Curitiba são demasiado submissas e caladas, pois nunca protestaram por tal fato entendendo que a religião é isso. Aceitam viver no século XVI e se submeter a uma posição inferiorizada na religião. Enfim, creio que não devo insistir mais nisso, pois que as mulheres judias de Curitiba aceitam este papel e esta localização. Mas proponho que se rediscuta comunitariamente sob a orientação do líder espiritual, junto com a direção religiosa, as maneiras de aprimorar a vida espiritual da Kehilá. Ainda assim nossos sinceros parabéns para o prof. Sami Goldstein e para o Charles London pelos avanços claramente perceptíveis e votos que tenhamos ainda mais progressos em nossa vida espiritual no seio da Kehilá.
ShanáTová e Shalom al Kol ha Olam.

Sérgio Feldman


* Sérgio Feldman é professor adjunto de História Antiga do Curso de História da Universidade Tuiuti do Paraná e doutorando em História pela UFPR.

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