quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Alivio para a Ansiedade!

Alívio para a Ansiedade
Uma abordagem para o bem estar psicológico
No mundo de hoje, as pessoas voltam-se cada vez mais aos psicólogos e aos livros de auto-ajuda, buscando caminhos para lidar com suas preocupações e ansiedades. Chegou-se mesmo a um ponto no qual, em muitos países esclarecidos, uma pessoa que se respeite deve manter um contato regular com um psicólogo ou terapeuta, como parte integrante da vida normal. Longe de ser considerado um sinal de fraqueza ou anormalidade, ter um consultor ou confidente habitual é tido como sinal de status: indica que a vida da pessoa é suficientemente complexa para garantir análise regular por um profissional treinado, que a pessoa pode ser dar ao luxo de pagar, e que está suficientemente preocupada com a qualidade de sua vida para tomar uma atitude a respeito.
Isso não é necessariamente algo negativo. De fato, em muitas maneiras, todas as sociedades bem estabelecidas têm instituído o papel de mentores e consultores da vida, como parte de seu sistema psico-social. Isso parece brotar de um entendimento humano básico de que as pessoas não podem e não deveriam tentar lidar com todas os problemas da vida por si mesmas, e que há uma eficácia terapêutica em buscar ajuda e conselho das pessoas indicadas.
No sistema sócio-religioso que se desenvolveu a partir dos ensinamentos da Chassidut, que por sua vez é baseada nos ensinamentos da Cabalá, o papel do terapeuta pode ser preenchido pelo líder da Corte Chassídica (o Rebe), uma chassid mais idoso, um amigo íntimo ou algum outro mentor. Espera-se de todo chassid que encontre para si tal mentor, que deve ajudá-lo a esclarecer seus problemas e ansiedades, discutindo-os regularmente com ele.
Apesar destas semelhanças, entretanto, ainda restam diferenças fundamentais entre a abordagem chassídica e secular de aconselhamento, assim como a psicologia chassídica e secular professam opiniões muito diferentes sobre o que é o bem estar psicológico, e como consegui-lo. Para se entender estas diferenças, é vital que cada um entenda o papel do auto-conhecimento na saúde mental.
Auto-conhecimento - conheça-te a ti mesmo
Na Delfos antiga, as palavras "conheça-te a ti mesmo" estavam inscritas no santuário do Oráculo de Apolo. Desde então, a cultura secular ocidental tem considerado o auto-conhecimento como a jóia da coroa do esforço humano. A Torá, em contraste, diz-nos "Conheça o D'us de seus pais, sirva-O de todo o coração e desejo de sua alma," e "Saiba perante Quem você está." No esquema da Torá, o objetivo do homem é conhecer a D'us, ou seja, estar sempre consciente de Sua presença. Este conhecimento, e não a conscientizaçã o de si mesmo, é que deve preencher a consciência do ser humano.
Entretanto, isso cria um paradoxo. Para conhecer D'us, primeiro a pessoa precisa conhecer a si mesma. Pois em cada um há uma alma que pode ser considerada como uma parte de D'us; ao conhecer uma parte, chegamos a conhecer o todo. A tarefa do homem é trazer à luz a Divindade oculta dentro dele. Embora não seja fácil, este esforço é inestimável. Assim que esteja sintonizada com sua própria dimensão Divina, a pessoa estará melhor posicionada para ver a Divindade inerente a toda a criação, e para sentir qual é seu papel individual no grande esquema do Criador.
A Torá diz que D'us criou o mundo para ter uma morada nos reinos inferiores. "Inferior" não significa inferioridade física, mas inferioridade na escala de consciência de D'us. Nosso mundo físico está no degrau mais baixo de uma vasta hierarquia de universos ou planos de existência, cada um deles definido por um grau diferente de consciência do quê e de quem D'us é. Nosso mundo é inferior em si e por si mesmo, e não demonstra inicialmente o fato de que alguém o criou. A natureza é um disfarce tão perfeito para o poder Divino criando constantemente o mundo, que é possível para a pessoa nascer, viver a vida inteira e morrer, sem que jamais lhe passe pela cabeça que há um D'us. Na verdade, D'us está tão oculto aqui, que muitas pessoas inteligentes estão convencidas de que não há D'us.
É neste mundo, onde a Divindade está tão oculta, que D'us tenta fazer sua morada. Precisamente aqui, onde tudo parece antitético à percepção d'Ele, que Ele deseja que todos estejam conscientes de Sua existência e estabeleçam um relacionamento com Ele. Eis por que Ele criou tal mundo em primeiro lugar, e isto é por que cada alma individual, uma parte de D'us, é enviada para cá. Cada indivíduo tem um papel único na obtenção desta meta, e a única maneira pela qual a pessoa pode sentir qual é seu propósito em particular neste esquema, é sintonizando- se com a Divindade existente dentro de si.
É neste sentido e com esta finalidade, segundo o Judaísmo, que a pessoa deve conhecer a si mesma. Conhecendo a parte, sua alma Divina, pode ter um vislumbre do todo, a essência de D'us nela refletida.
Uma saída
A psicologia secular é, por definição, baseada sobre o conhecimento atingível e verificável através de experiências científicas. D'us, é claro, transcende esta visão limitada. Dessa maneira, a psicologia secular não presume saber coisa alguma sobre a existência ou assuntos de D'us. Embora isso não possa negar categoricamente a existência de D'us, tem que ignorá-Lo como um ativo determinante da saúde mental. Além disso, deve ignorar a existência de uma alma Divina, uma entidade à parte, e transcendendo a consciência humana básica que ela reconhece e da qual trata.
Isso deixa a psicologia secular uma espécie de dilema psicológico. Se alguém está se afogando em areia movediça, precisa agarrar-se a alguma coisa ou alguém que esteja fora da areia para conseguir livrar-se. Da mesma forma, a pessoa assediada por problemas precisa valer-se de algo ou alguém que transcenda estes problemas, para que possa libertar-se deles. Porém o máximo que a psicologia secular pode oferecer à alma que sofre é a mão amiga de outro ser humano (ou talvez uma dimensão não controlada do próprio paciente). Isso pode fornecer um adiamento temporário, mas não pode ter a pretensão de servir como uma solução definitiva, pois todos os seres humanos, em maior ou menor grau, estão sujeitos às mesmas limitações e restrições psicológicas. Se estamos todos no mesmo barco, quem estará lá para nos jogar uma corda?
Dessa maneira, sejam quais forem os sucessos que a psicologia secular possa ter em liberar o homem do atoleiro de seus problemas, são, na melhor das hipóteses, apenas auxiliares temporários ou superficiais. Não importa quão impressionantes sejam estes sucessos, a psicologia secular por sua própria natureza não pode atingir ou resolver os enigmas fundamentais da existência humana. Afinal, ela se origina na mesma mente humana que está tentando entender.
A consciência da alma Divina dentro de nós, em contraste, é a chave da nossa redenção psicológica pessoal das forças que ameaçam nos dominar. Não importa quão baixo acreditamos ter caído, D'us permanece conosco e está sempre lá, atirando-nos uma corda para agarrar, a fim de acharmos uma saída. Quanto mais nos sensibilizamos pela nossa essência Divinas intrínseca, mais rápido poderemos nos livrar das preocupações que estão tentando nos afogar.
Conhecer D'us significa sentir Sua misericórdia, pois a Torá nos ensina que o atributo mais essencial de D'us é Sua misericórdia. Quando a pessoa está consciente da infinita misericórdia de D'us envolvendo-a o tempo todo, pode segura e objetivamente avaliar sua própria saúde psicológica. Sabendo que pode apoiar-se em Seu amor, a pessoa não teme enfrentar a verdade sobre si mesma; não sente necessidade de esconder-se atrás de todos os tipos de desculpas ou justificativas para seu comportamento.
É por este motivo que, até que a pessoa tenha atingido um certo nível de consciência de sua alma Divina, provavelmente é melhor que não confronte os aspectos mais obscuros de sua personalidade, que jazem enterrados nas profundezas de seu subconsciente. Na verdade, é um ato da misericórdia de D'us que haja algo como o subconsciente, onde o mal que espreita no coração do homem possa ficar oculto até que estejamos prontos a enfrentá-lo.
É claro que a psicologia secular tem dado passos largos no sentido de ajudar o ser humano a entender sua própria mente, e melhorar seu bem-estar psicológico, bem como sua habilidade de vencer os desafios da vida. O Judaísmo vê a ciência e pesquisa seculares de maneira positiva, desde que busquem complementar e ampliar a sabedoria da Torá ao invés de tentar suplantá-la ou atacá-la.
Ao contrário, a sabedoria da Torá nos permite identificar o que é verdadeiro e aquilo que não é, nas pesquisas da ciência secular, e associar cada verdade com seu contexto apropriado na própria visão da Torá sobre o mundo. Ao fazê-lo, elevamos as centelhas de santidade que são inerentes a todo o conhecimento secular, desse modo liberando-as do cativeiro da orientação secular. Essa é por si mesma uma fase na retificação da realidade que finalmente introduzirá a verdadeira e definitiva Redenção final.
Técnicas terapêuticas
De forma geral, podemos afirmar que a maioria dos distúrbios psicológicos originam-se na ansiedade. Em seu nível mais simples, a tensão e a pressão que acompanham as preocupações mesmo sobre os assuntos mais básicos, como saúde e dinheiro, por si só causam e agravam muitos problemas psicológicos. Em um nível mais profundo, um exame mais acurado revela que quase todo problema psicológico origina-se em algum tipo consciente ou inconsciente de fobia ou medo, ou de frustração decorrente do inevitável conflito entre as necessidades básicas e animalescas do homem e suas aspirações mais elevadas. Numa pessoa que crê em D'us e tenta viver segundo os ensinamentos da Torá, estes medos e frustrações serão expressos também pelo medo de pecar. Ir ao encontro, e tratar a ansiedade seja qual for a forma que ela assuma é a base de toda terapia psicológica.
Os ensinamentos da Cabalá, como os ensinamentos do Judaísmo em geral, estão intimamente conectados às nuanças textuais do texto escrito da Torá. Qualquer indagação sobre a abordagem cabalística a um assunto em particular deve começar com uma análise de como o texto sagrado trata aquele assunto.
A ansiedade é mencionada muitas vezes na Torá escrita, mas o exemplo mais básico é o seguinte versículo do Livro dos Provérbios (12:25):
Se houver ansiedade no coração de um homem, deixe que ele a reprima,
E transforme-a em alegria com uma palavra boa.
O Livro dos Provérbios foi escrito pelo Rei Salomão, que foi o mais sábio de todos os homens, especialmente no domínio da psicologia humana. Neste versículo, podemos assim esperar encontrar a chave para o bem-estar espiritual, e a abordagem apropriada para lidarmos com problemas de saúde mental.
A frase: "que ele a reprima" é na verdade apenas o significado mais básico do verbo que descreve o que devemos fazer com a ansiedade. A tradição registrou mais outros dois significados auxiliares desta frase "que ele a ignore" e "que ele a articule". Assim, temos três instruções distintas a respeito da reação apropriada à ansiedade. Estes três significados, portanto, representam três diferentes técnicas terapêuticas complementares para lidar com a ansiedade. Juntas, estas técnicas, quando adequadamente implementadas, podem impedir que a ansiedade desenvolva-se para uma condição mais séria, e até mesmo que cure completamente o sofredor.
Reprimindo a ansiedade
A primeira e mais básica instrução expressa no versículo de Mishlê (12:25):
Se houver ansiedade no coração de um homem, deixe que ele a reprima,
E transforme-a em alegria com uma palavra boa.
é reprimir a ansiedade que perturba o coração, o que quer dizer desinflá-la ou reduzi-la.
Isso pode ser feito de duas maneiras:
A primeira é pela auto-anulação. Quando a pessoa está perturbada por alguma coisa, sua tendência natural é concentrar-se naquilo, até que a ansiedade a respeito disso começa a dominar todo seu ser. Sua preocupação o incomoda dia e noite, aborrece-o, e finalmente começa a definir-se em termos de seu medo. Em sua imaginação, o medo assume proporções imensas; está convencido de que ninguém pode imaginar a extensão de seus problemas. Sua ansiedade, dessa maneira, serve para inflar seu ego, que se tornou baseado e identificado com seu medo.
Se, entretanto, parar por um momento para contemplar a infinita grandeza de D'us e a insignificância do homem em comparação, seu ego imediatamente desinflará. Quando uma pessoa assim renuncia a seu ego, suas preocupações sofrem uma perda equivalente em magnitude; se ele nada é, seus problemas certamente também nada serão.
Não estamos sugerindo que a pessoa diminua seu ego rebaixando sua auto-imagem. Ficar repisando os erros e falhas levará à depressão e à tristeza. A inferioridade que a pessoa deveria procurar cultivar é do tipo existencial, uma conclusão natural extraída de sua conscientizaçã o da natureza de sua existência a qual, naturalmente, é apenas o jeito de ser das coisas, não uma falha sua. D'us é infinito e o homem finito, e mesmo o maior número finito que se possa imaginar nada é, comparado ao infinito.
A segunda maneira de reprimir a ansiedade é através da prece sincera. Quando alguém está envolvido num problema e certamente tem uma ansiedade de alguma espécie, deveria implorar a D'us para resolvê-la por ele. A crença na onipotência e misericórdia de D'us implica que somente Ele pode e providenciará a solução de qualquer problema. Seja através das palavras inspiradoras da liturgia ou do Livro dos Salmos, seja através da verbalização espontânea dos desejos do coração, uma pessoa deveria sempre tirar proveito do interesse benevolente de D'us em sua vida.
A pessoa não deveria cair na armadilha de pensar que, como D'us é compassivo por natureza, não há necessidade de rezar, ou que se D'us está fazendo a pessoa sofrer apesar de Sua compaixão, isso deve significar que é para seu próprio bem. Embora isso certamente seja verdadeiro, é apenas parte da coisa. D'us deseja que reconheçamos nossa impotência diante D'Ele e que estejamos cônscios de que podemos e devemos voltar-nos para Ele em todas as situações. Portanto, mesmo se o sofrimento da pessoa é uma expiação por seus pecados ou uma retificação por uma prévia encarnação, a sentença sempre poderá ser comutada através da prece.
O ato de rezar serve para desinflar o ego, pois ao invocar a misericórdia de D'us a pessoa está admitindo que algumas coisas na vida simplesmente são grandes demais para ela, que não possui necessariamente todos os meios para sua própria salvação. Como foi dito acima, assim que o ego é desinflado, suas ansiedades são desinfladas juntamente com ele. São esvaziados, e não mais representam a horrível ameaça de antes.
Seja isso conseguido através da contemplação ou da prece, o resultado de reprimir a ansiedade é o sentimento libertador de que nem tudo está perdido. O problema pode ainda estar lá, mas foi reduzido e não mais ameaça esmagar a pessoa sob seu peso como antes. Agora que foi libertado de seu peso, pode passar para a próxima fase de sua terapia.
Ignorando a ansiedade
A segunda fase da terapia, sugerida pelo segundo significado do verbo no versículo em Provérbios (12:25):
Se houver ansiedade no coração de um homem, deixe que ele a reprima,
E transforme-a em alegria com uma palavra boa.
é ignorar a ansiedade. Isso é muito mais fácil de se fazer, assim que a imensidade do problema na percepção da pessoa tenha sido reduzida pela primeira fase da terapia descrita no artigo anterior.
A fim de ignorar uma preocupação, uma pessoa precisa substituí-lo por algum pensamento positivo. Podemos não ser capazes de parar de pensar, mas temos liberdade de escolher sobre o quê pensar. Ao invés de nos concentrar naquilo que nos preocupa sobre qualquer assunto, podemos focalizar algum aspecto daquilo que nos faça seguros ou felizes. Esta é a intenção por trás da segunda metade do versículo acima mencionado "... e transforme-a em alegria com uma palavra boa." Assim, a Torá nos diz (Devarim 30:19): "Coloquei diante de você a vida e a morte, a bênção e a maldição. Portanto, escolha a vida!"
Em toda situação, há algo positivo e algo negativo em que se concentrar. Escolha pensar no positivo!
O poder do pensamento positivo de provocar o bem, e do pensamento negativo de provocar o mal, tem sido bem documentado mais de uma vez. Não há razão para não utilizar esta ferramenta potente para melhorar a qualidade de vida de alguém de bem estar geral e mental em particular.
Se for entregue a seus próprios recursos, a mente por inércia tenderá a encher-se de pensamentos negativos que brotam de seu subconsciente ainda não retificado. Portanto, é necessário ocupar a mente de maneira cônscia, com pensamentos positivos e puros. A melhor e mais potente fonte de tais pensamentos e atitudes é a própria Torá, como está escrito: (Tehilim 19:9): "Os preceitos de D'us são retos, alegrando o coração."
A imagem usada na Torá para descrever esta técnica é extraída da história de Yossef e seus irmãos. Quando Yossef foi encontrar-se com os irmãos, estes o jogaram num fosso e discutiram sobre como livrar-se dele. A Torá descreve o fosso como "vazio, não havia água ali." (Bereshit 37:24). A Torá oral explica a aparente redundância nesta descrição: de fato não havia água no fosso, mas estava repleto de serpentes e escorpiões. Porém, pelo mérito de sua retidão, D'us não permitiu que as serpentes ferissem Yossef.
A água é freqüentemente entendida como uma palavra de alegoria para simbolizar o fluxo refrescante e vivificador da própria sabedoria da Torá. O fosso nesta alegoria representa a mente humana, que de forma ideal seria um recipiente para conter as águas da Torá; as cobras e serpentes representam os pensamentos negativos e destrutivos que o dominam, na ausência de pensamentos positivos e orientados na direção da Torá. Yossef representa a habilidade da mente em transformar seus maus pensamentos em positivos. Sua entrada no fosso neutraliza o poder das forças negativas que o sobrepujaram.
Todos têm seu Yossef interior, sua habilidade interior de alterar sua perspectiva sobre os problemas e vê-los sob uma luz otimista. Se a pessoa é capaz de invocar e utilizar esta habilidade interior, tanto melhor. Caso não seja, deveria buscar inspiração para reorientar sua perspectiva naqueles que a têm.
Articulando a ansiedade
A fase final da terapia, sugerida pelo terceiro significado do verbo no versículo de Mishlê (12:25):
Se houver ansiedade no coração de um homem, deixe que ele a reprima,
E transforme-a em alegria com uma palavra boa.
é a articulação da ansiedade.
A Torá identifica o poder da fala como a expressão mais pura da humanidade do homem. Embora a habilidade de raciocinar do ser humano seja superior à de outras formas de vida, o que o define como especialmente humano é sua habilidade de articular suas idéias e sentimentos a outro ser humano. Eis porque, ainda mais que o pensamento, a fala tem o poder de revelar as profundezas ocultas da alma.
Todos já sentimos como desabafar, mesmo que seja para nós mesmos, ajuda a ordenar e solidificar nossas idéias. Em muitos casos, articular nossos pensamentos ajuda-nos a descobrir percepções mais profundas sobre o assunto em pauta.
Quando uma pessoa desnuda suas preocupações e ansiedades a um amigo ou mentor sensível e interessado, isso pode ajudar a resolver seu problema. A dialética do diálogo é a ferramenta pela qual eles, juntos, podem chegar à solução do conflito. Como diz a Torá (Mishlê 29:13) "D'us esclarece os olhos de ambos." Esse, também, é o significado da segunda metade do versículo acima "...e transforme-a em alegria com uma palavra boa."
Articulação e diálogo com um amigo ou mentor contribui com o processo de cura de três formas.
A primeira contribuição que um amigo faz com o processo da solução é sua objetividade. O próprio fato de que ele não está passando pelo mesmo problema que seu confidente capacita-o a visualizá-lo de um ponto de vista vantajoso e totalmente diferente. Às vezes o confidente nem precisa verbalizar esta perspectiva; sua simples presença é suficiente para permitir ao amigo senti-la e articulá-la por si mesmo. Se o problema da pessoa não é extremamente complexo, esta perspectiva objetiva pode bem ser tudo que é preciso para acalmá-lo o suficiente para conseguir lidar com o problema de forma a ter sucesso, por si mesmo ou com o conselho da pessoa a quem o confiou.
Nesta fase, o confidente permanece em seu próprio mundo, e é imperativo que o faça, a fim de fornecer a vantagem que seu amigo precisa para visualizar sua ansiedade objetivamente.
Naqueles casos em que isso não é suficiente, a próxima contribuição que o amigo/mentor pode fazer é demonstrar ao confidente que apesar da gravidade da situação, ainda há dentro dele um ponto mais profundo que não foi afetado por ela. Assim que o sofredor é lembrado da presença deste ponto ilibado de pureza e otimismo dentro de si, pode usá-lo para remodelar toda sua situação à uma luz mais positiva. Antes dessa conscientizaçã o, a pessoa considera-se problemática, como se sofresse de uma defeito psicológico ou de um complexo. Agora, pode começar a gradualmente identificar- se com este ponto interior saudável dentro de si, e dessa maneira reabilitar-se em sua imagem.
Neste estágio, o amigo entra no mundo do confidente. Vê o problema da perspectiva do amigo, e reconhece a existência e seriedade do objeto de sua ansiedade. Reprimi-lo e ignorá-lo pode diminuir sua enormidade, mas ele existe apesar disso, e deve ser encontrada uma maneira de lidar com isso.
A ajuda final que o amigo oferece ao confidente é capacitá-lo a visualizar a própria ansiedade à uma luz positiva. Isso torna-se possível ao considerar o elemento da Divina Providência.
É axiomático no Judaísmo que D'us supervisiona e guia os assuntos da criação. O fundador da Chassidut, Rabi Yisrael Báal Shem Tov, chegou a dizer que a Divina Providência estende-se mesmo a uma folha que cai na floresta, e determina quando e em que direção ela cairá. Hoje, diríamos que D'us direciona até a menor das partículas sub-atômicas ou forças que existem.
Aqui, também, deve-se evitar cair na armadilha do fatalismo. A Divina Providência é apenas uma face da moeda: a outra é o livre arbítrio. O homem age livremente e deve assumir inteira responsabilidade por suas ações.
Teólogos observaram e tentaram resolver a exclusividade mútua da Divina Providência e do livre arbítrio através dos tempos. A solução definitiva é que não há solução; constituem um paradoxo teológico. O modo pelo qual vivemos este paradoxo, entretanto, é claro: invocamos a Divina Providência para explicar o passado e o livre arbítrio ao enfrentar o futuro. D'us, por assim dizer, remove Sua providência a respeito das escolhas feitas pelo ser humano, mas depois que ele as fez, torna-se retroativamente revelado que elas eram parte predestinadas do grande plano Divino.
Assim, seja o que for que aconteça a uma pessoa é diretamente atribuível à Providência de D'us, e como D'us é axiomaticamente bom e misericordioso, a consequência é que mesmo se a pessoa acha-se em um estado de depressão psicológica, isso deve ser para seu bem. Seja ele afortunado o suficiente para enxergar ou não, esta nuvem, como todas as outras, tem uma pontinha rósea.
Além disso, a Chassidut nos ensina que o bem oculto numa situação aparentemente má, é na verdade de uma ordem mais elevada que aquele bem que pode ser prontamente reconhecido como tal. A razão pela qual D'us às vezes escolhe ser bom conosco em maneiras que parecem más, é que o bem que Ele deseja conceder-nos nestes casos é tão grande e intenso que poderíamos não receber ou assimilar em circunstâncias normais. Assim como algum bem de valor que foi embrulhado em material grosseiro para sua proteção, as formas mais elevadas do bem devem estar ocultas em seu oposto aparente.
Dessa maneira, ao invés de sentir que D'us a está ignorando ou abandonando, a pessoa sofrendo de ansiedade deveria aprender a considerá-la como um presente pessoal de D'us, que expressa Sua consideração especial. Este é realmente um teste de fé, e é tarefa do amigo/mentor neste estágio, ajudar o confidente a defender e aprofundar sua fé em D'us, Sua bondade infinita, e Sua Providência sobre todas as facetas da vida. Quando o consegue, o confidente terá descoberto uma dimensão mais profunda e significativa de sua personalidade, que de outra forma jamais teria conseguido. Além disso, terá renovado sua conexão com D'us, e até mesmo a aprofundado, não mais fazendo suposições sobre ela, ou limitando-a pelos parâmetros do bem ou mal como os percebemos.
Assim que o confidente consiga olhar seu problema com alguma objetividade, identificar- se com sua essência interior de bondade em vez de com sua fobia ou preocupação, e tenha aprofundado sua fé a ponto de sentir sua ansiedade como um presente de amor de D'us, ele não precisará inibir-se ao expor seja o que for que tenha de mal a seu amigo. Pode agora desnudar todos os maus pensamentos que o atormentam durante o dia ou a noite, que se intrometem em suas preces, estudo ou trabalho. Não são mais necessárias hesitações ao confrontar os mais obscuros aspectos de seu subconsciente, pois foi lançada a pedra fundamental para enfrentá-los de modo construtivo.
Na verdade, a própria admissão destes temores e ansiedades profundos enfraquecem a força deles em sobrepujar o confidente no futuro. O fato de que agora ele não teme discuti-los abertamente detona a imagem deles como dragões onipotentes e inexpugnáveis que espreitam nas águas escuras de seu subconsciente.
O Terapeuta chassídico
A fim lidar com as falhas mais íntimas e secretas do confidente, o amigo deve neste estágio identificar- se profundamente com ele e sua situação. Como pode ele conseguir isso?
O terapeuta chassídico é aquele que esforçou-se conscienciosa e ardorosamente para estudar, internalizar e tornar verdadeiros os ensinamentos da Chassidut em sua vida cotidiana. Refinando persistentemente seu próprio caráter, e especialmente praticando e adquirindo o atributo da humildade e auto-abnegação através do auto-exame, o chassid adquire a habilidade de entender e auxiliar seu companheiro com seus próprios problemas psicológicos. Os ensinamentos da Chassidut conferem um entendimento e sensibilidade apurados sobre a psicologia humana àqueles que os estudam com devoção e seguem seus conselhos.
Uma das armadilhas enfrentadas por alguém que se dedicou à vida espiritual é aquela da falsa modéstia. À primeira vista, poderia parecer que uma pessoa verdadeiramente humilde procuraria afastar-se do papel de confidente. Afinal, não é presunçoso para a pessoa assumir que absorveu e interiorizou os ensinamentos da Chassidut o suficiente para poder guiar alguém que ainda não atingiu este grau de auto-refinamento? A pessoa espiritualmente orientada não deveria ficar temerosa dos inevitáveis sentimentos de auto-satisfaçã o que advêm quando se soluciona com sucesso os problemas de outra pessoa?
A verdade, claro, é exatamente o oposto: a pessoa verdadeiramente humilde se humilhará perante a verdade, e ficará então consciente de sua própria experiência, dons e talentos, bem como de suas falhas, e da longa estrada que tem diante de si. Além disso, não se preocupará com seus próprios interesses e os perigos espirituais que o auxílio a outra pessoa poderá acarretar. Quando for solicitado, assumirá o papel de conselheiro ou pessoa mais velha com graça e convicção, e não fugirá às suas responsabilidades por razões de falsa modéstia.
Em qualquer caso, a solução assegurada dos problemas do confidente jamais pode ser atribuída apenas à sensibilidade e bons conselhos do amigo que ajuda. Isso porque o próprio confidente participa ativamente da discussão de seus problemas e dos esforços para resolvê-los. Na verdade, então, a alma Divina de ambos, confidente e amigo, estarão juntas na luta para derrotar o mal dentro do confidente. As probabilidades são pesadas a favor do bem, então o mal definitivamente não tem nenhuma chance.
A doutrina chassídica é tão confiante na capacidade do homem de desenraizar o mal de dentro de si (novamente, desde que as condições requeridas sejam satisfeitas) e confere tamanha importância a este esforço, que o considera o principal desafio do verdadeiro educador ou conselheiro. Como o homem nasce selvagem como um jumento (Job 11:12), equipado desde o nascimento com tendências e desejos animalescos predominantes, arrancá-los é considerada a primeira meta que o educador ou conselheiro dedicado deveria estabelecer para si mesmo. Além disso, ele é advertido de que a responsabilidade sobre isso é de fato séria, e se ele não tiver sucesso certamente tornará as coisas ainda piores.
O modelo bíblico que cada terapeuta chassídico deveria copiar é, mais uma vez, Yossef. Como o típico sonhador e intérprete de sonhos da Torá, Yossef incorpora a qualidade de ser capaz de reorganizar os caóticos meandros da imaginação ou do subconsciente desordenado em mensagens significativas que servem como chaves para os recessos mais recônditos do coração e da mente.
Segundo nossa tradição, a razão pela qual Yossef, mais que qualquer outra figura bíblica, foi capaz de fazê-lo, é porque lutou com sucesso contra a tentação sexual. Assim que ascendeu a uma posição de poder no Egito, uma terra infame por sua licenciosidade sexual e depravação, teria sido a coisa mais simples e natural para ele condescender com uma abundância de seduções sexuais. Mesmo assim, sabemos que quando ele recebeu uma proposta de uma mulher de porte e charme aristocráticos, ele resistiu a seus avanços e cuidadosamente preservou sua pureza. Por esta razão, a tradição chama Yossef de "O Justo."
Como é bem conhecido, a psicologia moderna tem verificado corretamente que a maioria das psicoses, neuroses, síndromes e desordens mentais estão conectadas a problemas sexuais. Marido e mulher existem antes da concepção e nascimento como parte de uma essência espiritual não diferenciada, que é separada no momento da concepção e nascimento em seus componentes feminino e masculino. O homem, portanto, nasce com uma ânsia natural de encontrar sua alma gêmea perdida, e as frustrações e digressões que experimenta ao longo do caminho para esta meta provocam grande parte da confusão subconsciente que mina seu bem-estar psicológico pela vida afora.
Foi então em virtude desta sexualidade imaculada e descompromissada que Yossef foi capaz de ter sucesso ao ajudar outras pessoas a livrarem-se de suas complexas desordens psicológicas.
Anteriormente, identificamos Yossef como o bom pensamento que possibilita à pessoa realizar a segunda fase da terapia psicológica, ignorando sua ansiedade. Aqui estamos identificando- o com seu papel mais importante, aquele do confidente habilidoso da terceira fase, que articula a ansiedade.
Assim, Yossef é o arquétipo do rebe ou mentor espiritual da Torá. Todo verdadeiro pastor do rebanho judeu e mentores, educadores e confidentes sinceros através da história, têm conseguido sua inspiração na pessoa de Yossef.
Ignorar versus articular ansiedades
Já estabelecemos que é saudável e positivo para a pessoa manter um relacionamento contínuo com um amigo ou mentor. Assim somos ensinados no Talmud "Encontre para si um mentor e adquira um amigo." Uma pessoa deveria sentir-se bem ao discutir qualquer um de seus problemas ou inseguranças com este indivíduo, especialmente no que tange ao seu relacionamento com D'us.
Além disso, é útil para a pessoa discutir seu mundo interior de pensamento e emoção regularmente com seu amigo ou mentor, mesmo se não estiver sofrendo de qualquer ansiedade ou problema em especial. Isso ocorre porque no decorrer da articulação de seus pensamentos íntimos e ao compartilhá-los com mais alguém, uma pessoa deve explorá-los mais profunda e seriamente que o faria na situação inversa. Precisa classificá-los, organizá-los e providenciar para que façam sentido inicial, para que possa expressá-los. Todos têm aspectos de sua vida interior que tenderiam a ignorar ou resolver somente no futuro. Deve encará-los e integrá-los no quadro total de si mesmo, se sua sessão com seu confidente for produtiva e real.
Este processo de enfrentar e lidar com os aspectos menos positivos da vida interior de alguém engloba vários estágios. O primeiro, que quase sempre nem ao menos é realizado conscientemente, é o modo de a pessoa ignorar muitos, se não a maioria, dos pensamentos que emergem do subconsciente. Esta é uma forma de supressão natural e saudável, que simplesmente impede toda pequena ânsia negativa ou complexo que vêm à mente de complicar e desarranjar as funções normais da vida. Muitas vezes, estes sussurros não estão profundamente enraizados no subconsciente e portanto não justificam qualquer tratamento fundamental que requeira muita atenção.
Os dois estágios seguintes são maneiras adicionais de ignorar o mal. São ambos justificados pela presunção de que a alma Divina não é afetada pela fraqueza de sua alma animalesca, e portanto é possível a uma pessoa retificar sua psicologia geral enfatizando seu lado Divino, e de forma ideal, possibilitando que ele assuma total controle sobre sua personalidade. Como a psicologia secular não pode reconhecer a existência da alma Divina separada, espera-se apenas que muitas escolas de psicologia desaprovem a aparente evasão de lidar diretamente com estas manifestações das ânsias mais inferiores que estamos para detalhar.
Quando uma pessoa percebe que seus pensamentos sombrios não a deixam em paz, e ignorá-los em nada ajuda, volta-se para os Céus e implora pela ajuda de D'us. Ao suplicar a D'us, uma pessoa reconhece a existência do mal dentro de si e admite que não pode lutar sozinha contra ele. Mesmo assim, até este momento não há nenhuma confrontação direta com o mal, nem há uma tentativa por parte da pessoa de reunir suas forças para combatê-lo.
Quando clamar não é suficiente, a pessoa entende que D'us deseja que ela, neste ponto, comece a enfrentar seu mal interior por si mesma, em vez de confiar n'Ele para vir em seu auxílio. Perante a confrontação direta com o mal, entretanto, a pessoa pode ainda tentar ignorar isso ativamente, substituindo seus maus pensamentos por outros positivos. Particularmente eficaz a esse respeito, é claro, é a contemplação de idéias da Torá, especialmente aquelas que engendram sentimentos de santidade, pureza, otimismo e felicidade. Assim, não se deixa lugar na mente para pensamentos maus e perturbadores.
O que fazer quando mesmo estas medidas falham, e maus pensamentos continuam a assombrar a mente? É hora de articular, explorar, cavar fundo nos recessos da personalidade, mesmo os obscuros e desagradáveis, a fim de descobrir a raiz destes pensamentos e ansiedades, e lidar com eles conscientemente.
A pessoa deveria primeiro tentar conduzir esta escavação verbal privadamente, explorando as sombrias cavernas de sua alma com seu Criador. Se isso provar não ser suficientemente real, e a pessoa sentir que precisa desnudar-se perante um ouvido humano que possa tanto ouvir seus problemas como aconselhá-la sobre como lidar com eles, pode então articulá-los a um bom amigo, mentor ou a um terapeuta de confiança.
Como o descrevemos, desnudar e discutir o mal oculto em uma pessoa é algo como o último recurso, que deveria ser tentado somente se todos os meios precedentes de lidar com o mal falharem.
Ao mesmo tempo, entretanto, perceber-se-á que cada estágio sucessivo no processo terapêutico é também um avanço medíocre, um estado mais avançado de prontidão e ousado para desafiar o mal e transformá-lo no bem. As técnicas iniciais de reprimi-lo e ignorá-lo certamente são mais seguras no sentido em que evitam destrancar o armário e olhar o monstro de frente, mas são, por isso mesmo, menos um teste da força da própria bondade interior da pessoa. Há menos necessidade de tocar o âmago de bondade interior, e portanto isso permanece oculto quando não é desafiado pelas forças escuras que lhe são opostas.
Parece que em nossa geração, a familiaridade comum com os conceitos da moderna psicologia transformou- nos todos em especialistas, ou pelo menos, especialistas num certo sentido, em psicanalisar a nós mesmos. E de certa forma, é assim que deveria ser. A nossa geração é aquela que testemunhará a Redenção definitiva e final, que sinalizará a aniquilação do mal e a transformação de seu âmago em bondade. Como este processo será um aspecto essencial da Redenção, somos agora convocados e portanto recebemos o poder de participar neste processo. Devemos tornarmo-nos especialistas na transformação do mal em bem, mesmo o tipo de mal que no passado era melhor ignorar ou suprimir.
Transformando o mal em bem
É axiomático no Judaísmo que com o passar do tempo, cada geração mais distante da Outorga da Torá esteja em nível espiritual inferior que a geração precedente. A imensa revelação Divina que penetrou na consciência coletiva do povo judeu no Monte Sinai tornou-se mais e mais diluída com o tempo. Isso nos deixou, por um lado, progressivamente mais susceptíveis às invasões do mal em nossa mente subconsciente, e por outro, menos capazes de combater o mal, especialmente em suas formas mais sutis. Assim, no decorrer da história, a ênfase no processo pessoal de auto refinamento do judeu mudou gradualmente, de desenraizar diretamente seu mal interior (que ele conseguiria facilmente porque havia menos mal dentro de si e era psicologicamente mais forte) para ignorá-lo (pois já estava muito enraizado dentro dele e ele não era suficientemente saudável para batalhar de forma direta contra o mal).
Portanto, por um lado, encontramo-nos no abismo espiritual de uma longa descida das altitudes espirituais que nossa nação vivenciou no Monte Sinai, assolados por mais males interiores sombrios e ansiedades que qualquer outra geração de judeus antes de nós. Por outro lado, a iminente alvorada da Redenção já está nos despertando para sermos pessoas mais elevadas e mais seguras, e assim sentimos o poder da ordem messiânica já correndo em nossas veias. Esse chamado ao poder, embora temperado com madura prudência, incentiva-nos a tentar enfrentar o mal da maneira que as gerações anteriores estiveram hesitantes em fazer.
Como somos capazes de fazê-lo, torna-se nossa responsabilidade, pois o advento de Mashiach depende da liberação de todas as centelhas do bem encerradas no mal. Dessa maneira, revelando o mal dentro de nós a fim de transformá-lo em bem, torna-se não apenas algo de nosso maior interesse, como também um dever sagrado.
O poder que o mal possui sobre nós, fazendo-nos pecar, é o poder da ilusão. Nenhuma pessoa inteligente faz, voluntária e propositadamente, algo que possa feri-la. Apenas quando se convence (ou outros a convenceram) que este pecado em especial não o ferirá, ou o fará apenas temporariamente, ou que o dano será suplantado pelas vantagens que trará, é que a pessoa permite-se pecar. Provavelmente, na maioria dos casos, o mal vence porque convence a pessoa que é para seu bem, até mesmo em seu melhor interesse, sucumbir às tentações. O prazer que isso apresenta oferece promessas de sublime enaltecimento que, ficamos convencidos, melhorará bastante nossas vidas.
Porém, mais tarde a realidade nos atinge, e admitimos, para nosso constrangimento, que fomos ludibriados. Esta sedução foi um ardil; o estímulo foi apenas momentâneo, trazendo em sua esteira sentimentos de rebaixamento e traição vã. Há duas maneiras de reagir a este despertar. Devido ao arrependimento por ter sido tão grosseiramente enganada, a pessoa pode resolver jamais incorrer no mesmo erro novamente. O temor de trair a D'us (e à Divindade dentro de si) motiva-o a identificar e resistir às tramas do mal na próxima vez. Agora que elevou-se a um nível de consciência de D'us no qual está claro que suas falhas anteriores foram o resultado de ter sido enganado, transforma efetivamente aqueles pecados intencionais prévios em pecados involuntários. Se soubesse antes aquilo que sabe agora, jamais teria pecado; portanto, a única razão para ter pecado então foi porque estava agindo sob o efeito de uma ilusão. Jamais pretendeu causar o efeito que o pecado na verdade ocasionou.
Em um nível mais profundo, a pessoa pode olhar em retrospecto para o pecado do qual agora se arrepende e considerar o que foi que a fez sucumbir. O modo pelo qual o mal seduziu-o a cometer o pecado foi prometendo-lhe alguma emoção, algum frêmito de exuberância do qual sentia muita falta em sua vida insípida. Como D'us é a fonte de toda verdadeira vida, o mal estava na verdade disfarçando-se de santidade, dessa maneira atraindo com suas garras. Assim, foi a promessa de D'us no pecado que o levou a cometê-lo. O mal estava brincando com o desejo inato de cada um de conhecer a D'us da maneira mais completa possível. O contexto da manobra foi de fato mau, mas o âmago dele foi a centelha de santidade nele embutida. Uma vez que a pessoa tenha sucesso em isolar o sagrado âmago no contexto do mal, poderá então concentrar-se nele, e ver qual a fascinação que tem para si.
Por exemplo, digamos que a pessoa é assolada por um complexo psicológico que chamaremos de ânsia de viajar. Sonha constantemente em deixar a esposa e a família para viajar pelo mundo, explorando paisagens pitorescas e marcantes. A idéia de fazê-lo o assombra constantemente, não deixando que se concentre em nada além disso, forçando-o a gastar seu último centavo em revistas sobre viagens e desperdiçando horas e horas assistindo a programas de viagens na TV.
Ora, se examinarmos a vida deste indivíduo veremos que acorrentou-se a uma existência muito prosaica de trabalho apenas, sobrando-lhe pouco ou nenhum tempo para relaxar ou distrair-se. O primeiro passo, então, seria deixá-lo viajar uma ou duas vezes por ano, se puder.
Além disso, entretanto, podemos apontar, como origem deste mal, a legítima necessidade de estímulo e entusiasmo que tornam a vida interessante e desafiadora. D'us deseja que nosso relacionamento com Ele seja tanto disciplinado quanto inspirado, regular e espontâneo. Talvez quando esta pessoa encontrar uma idéia interessante em seus estudos de Torá, a qual gostaria de pesquisar ou entender melhor, deixe de lado o pensamento, dizendo: "Não tenho tempo para isso, devo primeiro terminar os estudos diários que estabeleci como metas para mim, e depois preciso trabalhar para sustentar minha família." Ou talvez ele não se permita envolver-se tanto nas preces quanto gostaria, por temor de perder o serviço (durante a semana), ou de deixar a família esperando por ele (no Shabat). Nega a si mesmo o arrebatamento de deixar sua imaginação levá-lo aos domínios não explorados de sua própria personalidade, ou seu relacionamento com D'us e o mundo.
Esta pessoa abafou um aspecto de sua personalidade por razões nobres. Entretanto, estas facetas de sua alma estão clamando por atenção. Se a alma não pode conseguir o que precisa em um contexto puro e santo, produzirá ânsias de consegui-los em outros contextos. Ao negar-se um escape santo para sua legítima ânsia por estímulo, força esta vontade a emergir para a superfície de modos mais destrutivos. A solução aqui seria separar algum tempo para si mesmo, seguir o caminho ao qual sua alma Divina deseja levá-lo vez ou outra.
Portanto, além da primeira reação do nunca mais, a atitude mais profunda é isolar o âmago do bem dentro do pecado e reorientar a busca para ele, de seu mau contexto até um de santidade. O pecado então serve como motivação para buscar D'us de uma maneira mais intensa que aquela que a pessoa tinha consciência antes de ter pecado. Quando a pessoa assim faz, transforma efetivamente seus pecados intencionais em méritos. Por causa do pecado está procurando e amando D'us em um nível mais elevado que o de antes.
Quando a fuga do pecado é baseada no medo das conseqüências, a atmosfera em que vivemos torna-se de amargor e paranóia. Quando é baseada na transformação do mal, a atmosfera na qual vivemos é de alegria, amor e perdão.
Descrevemos originalmente o processo terapêutico como um no qual cada etapa sucessiva foi vista como uma aquiescência crescentemente relutante à necessidade de confrontar o mal interno. A progressão a cada estágio sucessivo foi necessitada pela falha do estágio prévio de administrar o problema. No contexto que acabamos de descrever, entretanto, cada estágio nos aproxima de nosso supremo objetivo, desnudar o mal oculto em todo seu significado, e sua transformação em bem. Cada estágio, portanto, é uma fase preparatória que nos leva à próxima fase, como descreveremos no próximo capítulo.
Luz e Trevas
A fala, como já dissemos, é a ferramenta mais eficaz que pode ser usada para curar os males psicológicos de alguém. Por outro lado, notamos também que há situações nas quais o silêncio é mais conveniente.
O ato da articulação traz sentimentos e emoções, que de outra forma permaneceriam enterrados no subconsciente, à luz da mente consciente. Entretanto, não é fácil fazer o subconsciente falar, e um cuidado especial deve ser tomado ao persuadi-lo a revelar seus segredos. Caso contrário, os efeitos de fazê-lo podem ser prejudiciais ao invés de salutares.
No simbolismo da Torá, a mente subconsciente é considerada trevas - e a mente consciente, luz. Dessa maneira, aprendemos que no início, a terra não estava formada, havia um vácuo, e escuridão estava sobre a face do abismo. O espírito de D'us pairou sobre as águas. "E D'us disse: Que haja luz! E houve a luz" (Bereshit 1:2-3). A terra simboliza a alma do homem ao descer para penetrar e dar vida ao corpo. (Em sua forma incorpórea, pura, é simbolizada pelo céu.) As três descrições da terra primordial, amorfa, vazia e escura simbolizam os três componentes da mente subconsciente: fé, deleite e vontade. O espírito de D'us pairando sobre as águas simboliza o nível intermediário de consciência entre a mente subconsciente e consciente (no jargão da psicologia, a pré-consciência) , que paira entre a obscuridade do subconsciente e a revelação da mente consciente. A revelação dos segredos da mente subconsciente são revelados pela fala "E D'us disse: Que haja luz."
O propósito do serviço Divino em terapia geral, e psicológica em particular, é possibilitar que a luz da consciência brilhe mais e mais sobre as trevas do subconsciente. E quanto mais os segredos ocultos das regiões escuras da mente forem trazidos à luz, mais poderão ser elevados à esfera da santidade. Quanto maior o sucesso que a pessoa tiver em expor e retificar seu lado mais tenebroso, menos será incomodada por pensamentos invasivos e ânsias que emergem involuntariamente. Esse estado de liberdade do eu não retificado e inferior é o verdadeiro bem-estar espiritual buscado pelas técnicas terapêuticas prescritas pelo pensamento chassídico. Libertado pelo mal, o bem criativo no homem pode brilhar e imprimir sua expressão singular de Divindade sobre a realidade, com perfeita eficácia.
No simbolismo da Torá, as ânsias primitivas da mente subconsciente que temporariamente atrasam a psique são simbolizados pelas sete nações pagãs canaanitas que ocupavam a terra de Israel antes que o povo judeu lá chegasse. A nação judaica recebe ordens de desenraizar estas nações e suas culturas idólatras da Terra Santa; isso simboliza a erradicação do mal da psique através dos meios terapêuticos que estamos descrevendo.
No conflito entre luz e trevas, a luz, por sua própria natureza, sai vencedora. Um pouco de luz dispersa muito da escuridão. Uma grande quantidade de luz consegue muito mais; dispersa completamente as trevas e toma seu lugar, como o sucessor de direito na mente da pessoa.
A dualidade da luz e das trevas na psique do homem é mencionada na visão profética da carruagem Divina, como foi testemunhada pelo profeta Ezekiel. Esta visão, que compreende o primeiro capítulo do livro escrito pelo profeta, é considerada a passagem mais obscura e mística da Torá. Nele, Ezekiel (1:4) descreve como os céus se abriram, e "tive visões de D'us."
E eu vi, e veja, um vento tempestuoso veio do norte, uma grande nuvem, e um fogo chamejante, e um brilho ao seu redor, e do meio disso, fora do meio do fogo, havia algo como o chashmal.
A palavra chashmal aparece na Torá apenas no contexto desta visão e é tradicionalmente entendida como um tipo de luz ou energia, que é também personificada como um tipo especial de anjo. A palavra é tomada como sendo uma composição das palavras para silente (chash) e falar (mal); estes anjos, portanto, são descritos como silentes, falando às vezes.
Dessa maneira, esta interacão dinâmica entre silêncio e fala é parte integral do processo da revelação Divina, e o correto uso da fala é essencial para a cura das partes enfermas da alma.
Submissão, separação e suavização
Entre os dois extremos do silêncio e da fala, a Cabalá e o Chassidismo identificam um terceiro. Referente à luz incandescente na visão de Ezekiel, (Ezekiel 1:4), este estágio é mencionado também pela segunda sílaba da palavra chashmal, desta vez em seu significado de rompimento. Temos assim três etapas: silêncio, rompimento e fala.
Como já foi mencionado, a segunda contribuição que um confidente pode oferecer a uma pessoa sofrendo de um mal psicológico é mostrar-lhe que há um ponto profundo dentro dele que não foi afetado por este problema. Quando é informado desta verdade, o sofredor pode usar este ponto de otimismo e pureza, ainda não contaminado, para remodelar sua situação e com isso, sua auto-imagem a uma luz mais positiva. Sua individualidade não é mais sinônimo deste problema; ele possui uma identidade e uma personalidade independentes e fora do contexto do problema.
Este afastamento mental da auto-consciência da pessoa destes problemas é o rompimento ao qual havíamos nos referido. Apenas quando a pessoa foi libertada desta identificação com seu problema, pode encará-los objetivamente, e transformá-lo em bem. O mal dentro do homem é verdadeiramente mal apenas quando está envolvido num estigma de total desesperança e incontestabilidade.
Os três termos, silêncio, rompimento e fala descrevem os atos que o indivíduo realiza em relação ao fenômeno de sua psique que ele está confrontando.
O Báal Shem Tov introduziu um segundo trio de termos, que descreve o mesmo processo em termos de processo psicológico interior que o indivíduo sofre ao relacionar-se e reagir à situação que o confronta. Este trio é submissão, separação e suavização. Submissão refere-se à humilhação do ego efetivada pelo silenciar da turbulência interior do pensamento. A separação é o processo através do qual o mal é isolado, separado do bem e descartado. A suavização é a reavaliação da realidade à luz positiva liberando o âmago do bem, que estava preso dentro do mal.
Este processo em três partes, explica o Báal Shem Tov, é uma faceta integral de qualquer experiência de desenvolvimento espiritual, e de fato, a experiência em profundidade de qualquer faceta da realidade. Pode-se apenas esperar que estes três termos possam associar-se à correspondência de um a um com os três estágios da terapia psicológica.
Reprimir a ansiedade, como foi descrito acima, é um processo de auto-humilhaçã o. Ao reduzir a magnitude do ego em geral, a magnitude dos problemas da pessoa diminui concomitantemente. Como foi dito acima, isso pode ser conseguido de duas maneiras: através da contemplação da grandeza de D'us e da inferioridade do homem, ou rezando a D'us pela salvação da agitação gerada pelo próprio ego da pessoa.
Esta recusa auto-imposta de relacionar-se com o ego e os problemas que apresenta, com todo o respeito que presume exigir, é claramente um ato de silenciamento do ruído interior com o qual tenta monopolizar a atenção do indivíduo. A abnegação do ego, requisito para este processo, é claramente um ato de submissão; a pessoa deve humilhar-se perante a realidade mais grandiosa de D'us.
Ignorar a ansiedade, a segunda fase da terapia que descrevemos, é a habilidade de uma pessoa de romper suas amarras emocionais e conceituais ao mal existente dentro de si. Como já notamos, isso é feito forçosamente escolhendo preencher a mente com pensamentos positivos, de preferência de Torá, mas também de qualquer natureza otimista. Este é primeiro aspecto do Yossef interior em cada indivíduo, como dissemos. Ao escolher deliberadamente não chafurdar em seu próprio mal, a pessoa corta psicologicamente seu relacionamento com ele, e deixa de identificar- se em seus termos. Esse é claramente um ato de separação.
Articular a ansiedade é a capacidade da pessoa de desenterrar e expressar o mal oculto dentro de si e, com a ajuda de um confidente objetivo mas interessado, analisar e curar o problema que ele desperta. Este processo é claramente de fala e suavização, pois através dele o lado feio e escuro da personalidade torna-se parte de seu lado regulador e saudável.
Inter-inclusã o
Na cosmologia da Cabalá, a atual ordem da realidade é a versão retificada de vários estágios imaturos da criação que o precedeu. (A palavra precedeu deve ser entendida como uma alegoria, pois o tempo como o conhecemos começou com a criação da ordem presente.) As ordens prévias da criação foram caracterizadas pela desunião entre as forças criativas que as governavam: cada força criativa buscava seu próprio curso de ação sem considerar o efeito que isso poderia ter sobre suas forças irmãs, nem o efeito que suas forças irmãs poderiam exercer sobre ele. O resultado foi o caos, que levou ao colapso destes universos.
Em contraste, na ordem presente, pelo menos em sua forma idealizada, as forças criativas que D'us utilizou e utiliza para criar e manter o mundo agem em harmonia, cada uma levando em consideração a personalidade de todas as outras. Isso torna-se possível pelo fato de exibirem a inter-inclusã o, isto é, cada força criativa possui em sua própria constituição algo de todas as outras. A presença deste elemento do outro dentro de si permite que interaja construtivamente com o outro. Desta forma, a criação na verdade reflete a unidade subjacente que possui em virtude de ser a criação de um D'us.
O amadurecimento da criação pode de certa forma ser comparado ao modo como uma criança amadurece até transformar- se num adulto. Uma criança possui os mesmos traços de personalidade que um adulto, mas eles existem num pandemônio desordenado. Seus desejos e exigências são poderosos mas não são mitigados. Quando quer alguma coisa, acha difícil, se não impossível, levar em consideração o impacto que satisfazer este desejo pode ter sobre outros desejos, no momento sob controle. O processo de amadurecer até ser adulto é em grande parte aprender como equilibrar a natureza unilateral destes desejos à luz de sua completa gama de motivos. Para que este processo aconteça, o egocentrismo da criança deve ser reprimida, enquanto gradualmente percebe que deve moderar a busca de seus próprios interesses efêmeros em favor de objetivos maiores, mais altruístas e de longo prazo. O trauma deste despertar e a conseqüente auto-redefiniçã o pelos quais a criança deve passar é a maior característica da adolescência.
A característica da atual ordem de criação retificada, então é a inter-inclusã o. Todo processo, modelo ou sistema ou organização bem sucedidos devem evidenciar esta qualidade. E ao contrário, qualquer processo que não possua esta qualidade é considerado não retificado, pertencendo à ordem prévia da criação, e hostil a esta ordem e seu progresso rumo à perfeição. Esta, na verdade, é a definição do mal segundo a Cabalá.
Portanto, o potencial do modelo triplo de crescimento espiritual do Báal Shem Tov como um caminho para a retificação evidencia-se completamente quando cada estágio é visto como uma inter-inclusã o de todos os três. Como estruturamos o processo terapêutico conforme este modelo, o mesmo é verdade para ele: cada uma das três técnicas de supressão, ignorância e articulação estarão presentes como sub-estágios dentro de todos os três.
Portanto, detalharemos o completo processo terapêutico em termos deste princípio de inter-inclusã o.
Ansiedade e o Ego
O primeiro estágio da terapia é suprimir a ansiedade, isto é, diminuir seu significado e reduzir sua importância na vida da pessoa. Embora teoricamente isso pudesse ser feito reduzindo-se o significado do problema em si e demonstrando que as coisas não são tão más quanto parecem, isso é contraproducente na maioria dos casos. Quando um problema atingiu as proporções de tornar-se a causa da ansiedade, a pessoa que passa por ele na maioria das vezes já se convenceu de sua extrema gravidade. Tentar argumentar contra esta convicção apenas a encorajará a provar quão grave é seu problema.
O caminho mais seguro é o contorno, reduzindo o problema ao diminuir o próprio ego da pessoa. Embora a princípio possamos ficar tentados a pensar que uma pessoa preocupada com a ansiedade já esteja sofrendo com uma auto-imagem baixa e que atacar seu ego seria adicionar o insulto à ofensa, este está longe de ser o caso. Quando a ansiedade fica fora de contrôle, realmente aumenta o ego. A obsessão da pessoa com seu problema exagera sua auto-consciência; força-a a pensar a respeito e concentrar-se em si mesma a tal ponto que se torna incapaz de relacionar-se com outras pessoas. Seu mundo torna-se totalmente egocêntrico, mais e mais para si e menos e menos para os outros.
Além disso, quanto maior a pessoa acha que seu problema é, mais importância dará a si mesma, pois apenas pessoas notáveis sofrem de grandes problemas. Sob cada complexo de inferioridade jaz um complexo de superioridade mais profundo.
Porém o reverso também é verdadeiro: quanto maior o ego, maiores as preocupações e problemas da pessoa. Quanto mais a pessoa vivencia seu próprio "eu" e enche sua mente com seus próprios sentimentos e sua auto-imagem, mais intimidante fica qualquer coisa que represente uma potencial ameaça à perfeição de sua auto-percepção.
Além disso, o ego faz brotar o desejo egoísta. Quanto mais importante a pessoa sente que é, mais acredita que merece, e mais irritada ficará pela falta de qualquer coisa que acredite merecer. A dicotomia entre aquilo que tem e o que sente que deveria ter a perturbará continuamente.
Assim, o ego cria uma cilada para a pessoa, numa espiral contínua e auto-crescente de ansiedade. Com o crescimento de seu ego, o problema também cresce, e enquanto seus problemas pioram, seu ego cresce na mesma medida. A neutralização do ego é portanto a condição essencial do processo de retificação; o estágio mais básico e primário na cura da psique é a submissão.
Como, então, começamos a neutralizar o ego? Aqui, mais uma vez, temos uma abordagem direta e uma indireta para escolher. Nas palavras dos Sábios talmúdicos, a abordagem direta é contemplar a inferioridade do ser humano; a abordagem indireta é contemplar a grandeza do Criador.
Rabi Dovber de Mezritch sucedeu ao Báal Shem Tov como líder do Movimento Chassídico. Dois de seus discípulos, Rabi Elimêlech de Lizensk e Rabi Zusha de Anipol, perguntaram- lhe certa vez se deveriam começar o processo de auto-refinamento contemplando a grandeza de D'us ou a inferioridade do homem. Rabi Dovber respondeu que ao passo que nas gerações anteriores era possível começar pela inferioridade do homem, na nossa geração é melhor começar com a grandeza de D'us.
Em outras palavras, a abordagem indireta é novamente a preferida. Se alguém começa refletindo sobre sua própria inferioridade, pode bem conseguir convencer-se disso, mas estará o tempo todo concentrado em si mesmo. Entretanto, assim que tenha contemplado totalmente a grandeza de D'us, enxergará sua própria inferioridade no contexto da grandeza de D'us. Embora esteja lidando com o próprio ego, ainda estará abordando-o de forma indireta.
Assim, a resposta chassídica para o egocentrismo é o teocentrismo. O auto-refinamento ou a supressão do ego significam a reorientação das emoções em direção à Divindade: D'us torna-se o objeto de nosso amor, o único que tememos, e assim por diante. Essa é a essência da psicologia judaica; o objetivo da vida não é conhecer a si mesmo, mas conhecer o D'us de seus pais.
Uma vez mais, entretanto, a pessoa pode tentar mudar a orientação das emoções direta ou indiretamente. A abordagem direta é buscando experiências que a inspirarão a amar e temer a D'us. Ele pode de fato conseguir reorientar suas emoções temporariamente desta forma, mas o efeito será efêmero. Assim que a experiência passar, a emoção que ela gera também passará. A maneira muito mais eficaz de mudar a orientação das emoções é indiretamente, ou seja, domando a mente para contemplar verdades que despertarão espontaneamente as reações emocionais correspondentes.
Contemplando a grandeza de D'us
Existem, naturalmente, muitas facetas para a grandeza de D'us, pois o Todo Poderoso é infinitamente notável em um infinito número de maneiras. O aspecto mais completo de Sua grandeza, entretanto, é a natureza absoluta de Sua existência.
O fato de que D'us criou e continua a criar o universo coloca a natureza de Sua existência em contraste direto com aquela de tudo o mais que existe. Pois enquanto tudo o mais deve sua existência a D'us, Sua existência é intrínseca, ou seja, não depende de nada mais. Isso significa que embora outras coisas realmente existam, sua existência não lhes pertence; o continuar de sua vida depende de D'us, e está sujeito a Seu desejo para que continue existindo.
Em termos da realidade absoluta, apenas D'us existe realmente. Como está escrito: "não há nada além d'Ele." Tudo o mais é parte de uma realidade dependente ou relativa. Se D'us deixasse de desejar que algum aspecto da realidade exista, esse imediatamente cessaria de existir. Tudo o mais além de D'us é essencialmente nada; Ele é o único algo verdadeiro.
A primeira conclusão lógica deste raciocínio é que nada além do próprio D'us é objeto merecedor de nosso temor, pois qual a razão de temer uma criatura, quando qualquer poder que ela possua deve-se à energia Divina dentro dela? E na verdade, uma das pedras fundamentais da filosofia do chassidismo é que a pessoa não deveria temer coisa alguma além do próprio D'us. (O Báal Shem Tov ficou órfão do pai, Rabi Eliezer, ainda pequeno. As últimas palavras que o pai lhe disse foram: "Yisraelic, não tema coisa alguma além do próprio D'us!) O relacionamento entre a consciência de uma pessoa sobre a absoluta existência de D'us e seu temor a nada é, portanto, de natureza inversa: quanto mais é dominada pela reverência a D'us, menos autonomia atribuirá a qualquer uma de Suas criaturas ou às obras com causa e efeito da natureza, e portanto temerá menos a essas obras.
Além disso, nada além de D'us é merecedor de nossa estima, incluindo a mais exaltada das criações de D'us, o Homem. A natureza absoluta da existência de D'us implica a insignificância do homem em comparação. Se uma pessoa se alonga suficientemente sobre a infinidade absoluta de D'us, irá finalmente sentir sua própria existência encolher palpavelmente até o nada, face à realidade absoluta de D'us. Sem concentrar-se nisso diretamente, terá lançado um golpe fatal a seu próprio ego. E tendo dessa maneira renunciado a seu ego, suas preocupações sofrem uma perda similar de magnitude: se ele é nada, seus problemas certamente também nada são.
O sentimento de inferioridade engendrado por este tipo de raciocínio não envolve nenhum rebaixamento negativo da auto-imagem individual. Atacar o ego alongando-se diretamente sobre as falhas e erros, é de fato contraprodutivo, pois geralmente leva à depressão ou tristeza, que em última análise servem para inflar o ego. Ao contrário, a inferioridade que a pessoa deveria procurar cultivar é a existencial, ou seja, uma conclusão natural extraída de sua conscientizaçã o sobre a natureza de sua existência a qual, naturalmente, é apenas o jeito de ser das coisas, não uma falta sua. D'us é infinito e o homem é finito, e mesmo o maior número finito imaginável nada é comparado à infinidade.
Contemplando a inferioridade do homem
A conscientizaçã o da absoluta realidade de D'us e da tênue natureza da criação faz a pessoa desenvolver um saudável desdém por tudo aquilo que se oponha a esta conscientizaçã o. Tudo que aja em desafio à existência de D'us, exigindo nossa atenção ou obediência por si mesmo, torna-se voluntária ou involuntariamente um inimigo da verdade. Alguém que está consciente da verdadeira natureza da realidade procurará, ou desenvolver, ou evitar tais entidades. Na verdade, o mal (e o pecado) pode ser definido simplesmente como qualquer coisa (ou qualquer ato) que aja de forma contrária à consciência do homem sobre D'us ou sobre Sua vontade.
Uma pessoa devidamente impressionada com a absoluta realidade de D'us avaliará os elementos que criaram sua vida em termos da extensão com a qual eles se harmonizam ou não com esta verdade. E o primeiro elemento de sua vida que ele sujeitará a este escrutínio é seu próprio comportamento. Vive sua vida amando, temendo, estimando, etc. a D'us, ou todo um panteão de divindades menores?
Todo ser humano sabe até certo ponto que possui uma alma animalesca, um repositório de vontades e ânsias egoístas. Embora geralmente gostemos de nos identificar com objetivos de certa forma mais elevados que estes, a verdade é que a maior parte do tempo nos identificamos involuntariamente com esta alma; consideramos sua perspectiva, modo de pensar e as aspirações como nossas.
Portanto, contemplar a grandeza de D'us, após tornar uma pessoa consciente de sua própria insignificância, fá-la mais consciente ainda de sua própria imperfeição e inferioridade.
Assim que a pessoa percebe isso, sua conclusão chocante porém lógica, deve ser que, contrário a seu sentimento original de que é uma vítima inocente de alguma força ou circunstância malévola, não se admira que ela seja assolada por todo tipo de problemas. Embora possa ostentar uma fachada de propriedade, na verdade é não menos animalesca que qualquer outra pessoa, e as chances são grandes de que seja mais depravada que muitos. Mas com que direito, então, merece ainda alguma coisa?
Esta percepção desfere o golpe inicial ao ego, juntamente com o total espectro de suas ansiedades. O indivíduo sente que não merece mais nada, portanto, ter menos que aquilo que merece não pode preocupá-lo. Sua auto-imagem inflada se enfraquece, e nada mais pode ameaçá-lo. Pelo contrário, seu conhecimento sobre sua inata insignificância torna-o cônscio de que deveria naturalmente ser propenso a todo tipo de desordens e complexos psicológicos. O lado escuro de sua personalidade, que ele agora percebe dominar sua consciência, deveria agir naturalmente como um imã para cada doença física e psicológica que existe.
Caso, então, exista algo de positivo em sua vida, pode apenas ser uma bondade imerecida que D'us lhe concedeu. Sua reação a este ato de Divina graça será a felicidade irrestrita, e um brotar de apreciação a D'us. Embora uma pessoa egocêntrica sempre considere que o bem em sua vida não é o suficiente, a pessoa humilde sempre considera que o bem em sua vida está acima e além daquilo que merece, sendo portanto causa para total felicidade e gratidão. Na verdade, quanto mais inferior a pessoa se sente, mais se considerará não merecedora da benevolência de D'us, e mais feliz ficará, seja o que for que D'us lhe conceda. A felicidade de uma pessoa é proporcional a seu sentimento de não merecimento. A esta luz, cabe à pessoa examinar suas próprias falhas, detalhadamente e com a maior sinceridade.
Assim, a pessoa humilde estará apta a considerar bom tudo aquilo que lhe acontece, pois todas as coisas vêm de D'us, e tudo que Ele faz é bom, pois esta é Sua natureza.
Esta recusa em relacionar-se com o ego e os problemas que apresenta com todo o respeito que ele presume exigir, é claramente um ato de silenciamento do ruído interior com o qual ele tenta monopolizar a atenção do indivíduo. A abnegação do ego requerida para este processo é um ato de submissão; a pessoa deve humilhar-se perante a realidade maior de D'us.
Contemplação detalhada
O denominador comum dos três exercícios sobre contemplação descritos nos capítulos anteriores é que são de natureza geral, sinóptica. A ênfase está na experiência mental global do tópico sendo pesquisado, em vez de no significado dos detalhes individuais que compõe este quadro. O chassidismo contrasta este tipo geral de contemplação com a contemplação detalhada, específica, que engaja de forma mais completa os poderes mentais do indivíduo, e cujos efeitos têm alcance muito maior.
A reação emocional elicitada pela contemplação geral provoca uma impressão mais profunda na consciência de uma pessoa que a experiência emocional direta. Apesar disso, ainda não é realmente duradoura. Isso ocorre porque a falta de atenção ao detalhe deixa grande parte da mente intocada, e portanto, não convencida e sem alteração. As estruturas mentais que a pessoa se acostumou a usar no processo contínuo de interpretar e reagir à vida não são afetadas pelas largas pinceladas de uma pesquisa geral vaga, de um aspecto específico da vida. Em nosso caso, a contemplação sinóptica ataca apenas os sintomas do ego, os pensamentos egocêntricos que provocam a ansiedade. A própria raiz inconsciente do ego permanece completamente arraigada e inalterada.
Entretanto, através da contemplação detalhada e completa de alguma faceta da verdade, juntamente com todas suas implicações, ramificações e aplicações, o indivíduo transcende sua auto-percepção e torna-se inteiramente absorvido na experiência desta verdade. Um exame cuidadoso dos detalhes de uma verdade coloca o indivíduo face a face com uma percepção clara e lúcida da profundeza interior e a essência da verdade. Dessa maneira, a contemplação detalhada amplia e mesmo ilumina radicalmente a consciência adquirida pela contemplação geral.
Em segundo lugar, o efeito de ser envolvido por esta forma de contemplação é que a pessoa começa a adotar a perspectiva implicada nesta verdade como parte da psique. Dessa forma, gradualmente religa o circuito da mente segundo sua consciência esclarecida e forja novas formas de raciocínio que, a seu tempo, afetarão profundamente suas reações emocionais e comportamentais também.
Especificamente, a contemplação detalhada começa com um estudo em sério da grandeza de D'us em Sua criação do Universo e Sua providência sobre ele. O clássico texto da Cabalá descreve com riqueza de detalhes o espectro completo de estágios do processo criativo, desde a luz primordial e infinita de D'us até nosso mundo inferior. O chassidismo amplia a habilidade do homem de apreender cada um destes níveis, relacionando cada um deles com a experiência e serviço Divino da alma. Em virtude da experiência da luz inerente na percepção da grandeza de D'us, a pessoa é capaz então de voltar-se para si mesma e testemunhar em detalhes suas falhas, e saber com uma profundeza infinitamente maior que antes do seu nada existencial.
Com respeito à imperfeição individual inerente, a contemplação geral desta idéia não é suficiente em si mesma e sobre si mesma. A pessoa deve examinar suas faltas e erros, que se expressam como suas ansiedades e temores. Ao examiná-los um a um, a totalidade de seu nada existencial é enfatizada mais e mais graficamente. O efeito cumulativo de enfrentar exemplo após exemplo de sua própria inferioridade é um buraco negro psicológico que suga o ego da pessoa, aniquilando- o pouco a pouco.
Anteriormente, contemplar a infinitude de D'us e o nada da criação em geral levou à conclusão que a criação é insignificante e não possui nenhuma existência independente. Quando, entretanto, a pessoa começa a contemplar suas próprias falhas em todo seu relevo gráfico, perceberá que não apenas ela não possui a realidade intrínseca que D'us tem, mas também que sua condição psicológica atual é de fato uma antítese daquela realidade. Sua orientação material confere a sua vida inteira uma negação e afronta à onipresença de D'us. Ela é não apenas insignificante, não real e não-intrínseca, como é anti-significante, anti-real e anti-intrínseca. A pessoa é na verdade um buraco negro espiritual de anti-matéria, uma mancha negativa na perfeição da Criação Divina.
Neste estágio, a pessoa está ocupada demais enfrentando sua própria obtusidade e vulgaridade para retificar ou curar qualquer uma de suas ansiedades. Tudo que pode fazer, e deveria fazer a esta altura, é ficar assombrada pela profundeza de sua própria depravação quando essa se desdobra diante de si. Esta habilidade de examinar a própria ansiedade sem sentir-se preso dentro dela é um portento da segunda fase da submissão, como será explicado mais adiante.
Prece sincera: a suavidade dentro da submissão
Após a intensiva contemplação das próprias faltas, descrita no capítulo anterior, a pessoa volta-se para D'us em prece, gritando das profundezas de seu coração. Ela implora a D'us que a apóie e, em Sua infinita misericórdia, feche a lacuna abismal que a separa d'Ele. Cada faceta da consciência da pessoa sobre sua distância de D'us torna-se a causa e sujeito de outra prece, outro grito dirigido a D'us.
Este grito não é de depressão, mas sim por frustração e amargura. Como dissemos acima, alguém que esteja agudamente cônscio de sua própria inferioridade é feliz. Mas não é feliz sobre si mesmo; é amargo sobre si mesmo. Esta amargura fá-lo rezar.
Quando alguém é assolado por um problema e certamente com uma ansiedade de qualquer tipo, deveria implorar a D'us para ajudá-lo a resolver. A crença na onipotência e misericórdia de D'us implicam que somente Ele pode e irá fornecer a solução mais certa para qualquer problema. Seja através das palavras inspiradoras da liturgia ou do Livro dos Salmos, ou através da verbalização informal e espontânea dos desejos do coração, uma pessoa deve sempre valer-se do interesse benevolente de D'us em sua vida.
A pessoa não deve cair na cilada de pensar que, como D'us é compassivo por natureza, não há necessidade de rezar, ou que se D'us o está fazendo sofrer apesar de Sua compaixão, isso deve significar que é para seu próprio bem. Embora tudo isso certamente seja verdade, é apenas uma parte do quadro geral. D'us deseja que reconheçamos nossa impotência perante Ele, e que estejamos cônscios de que podemos e devemos voltar-nos para Ele para tudo. Portanto, mesmo se o sofrimento da pessoa for uma expiação por seus pecados, ou a retificação de uma encarnação anterior, a sentença sempre pode ser comutada através da prece.
Aprendemos, por exemplo, que a razão pela qual D'us manteve os patriarcas estéreis por tanto tempo foi para inspirá-los a rezar por filhos. Da mesma forma, conta-se sobre o Báal Shem Tov que ele e sua comitiva certa vez visitaram um judeu pobre e solicitaram comida até que o pobre homem nada mais tinha para oferecer e a despensa ficou completamente vazia. Quando a esposa do pobre homem viu aquilo, ficou desolada. Ele gritou a D'us uma prece pedindo ajuda e salvação. Logo após, ele descobriu uma caixa de moedas de ouro no quintal. Ao relatar o fato ao Báal Shem Tov, este replicou que havia previsto que o pobre homem estava destinado a herdar uma fortuna, mas não tinha rezado por isso devido a considerar-se indigno e também devido a sua timidez. Portanto, o Báal Shem Tov tinha de fazer algo drástico para forçá-lo a rezar por seu sustento, e a única maneira de fazer isso era levá-lo a uma pobreza tão abjeta que não tinha outra escolha.
O ato de rezar serve para diminuir o ego, pois ao invocar a misericórdia de D'us a pessoa está admitindo que certas coisas na vida são grandes demais para ela, e que não tem as chaves de sua própria salvação. Como foi dito acima, assim que o ego é desinflado, suas ansiedades são desinfladas também. Estando esvaziadas, não mais representam a terrível ameaça que eram antes.
Sumário:
Identificamos, portanto, os três sub-processos distintos dentro do processo global de submissão. A supressão geral do ego é a submissão dentro da submissão. A examinação cuidadosa das faltas e ansiedades é um ato de separação. A prece humilde e sincera a D'us, a conversa em particular entre o homem e seu Criador, é similar ao estágio de suavização de confiar em um mentor de confiança. Isso pode, assim, ser claramente identificado aqui com o estágio de suavização dentro da submissão.
Separação: ignorando a ansiedade
A fase de separação da terapia é aquela na qual a pessoa ignora suas ansiedades, problemas ou maus pensamentos que o incomodam, e o substitui com pensamentos positivos. Esta fase é necessária para que ocorra a fase final, que é a articulação e discussão do problema através das quais o problema pode ser curado e retificado de uma só vez.
A fim de relacionar-se a algo com objetividade e analisá-lo verdadeiramente, a pessoa deve primeiro ser liberada de suas amarras subjetivas a isso. Quando um judeu concentra-se em algum conceito da Torá, incluindo assuntos teológicos como a natureza de D'us, etc., está criando um ponto de vantagem abstrato, a partir do qual pode assumir um relacionamento imparcial com seus próprios problemas e complexos.
É de fato explicado longamente no pensamento chassídico que a capacidade do judeu de retificar o mundo e transformá-lo numa morada para D'us depende de sua capacidade de sentir que ele próprio não está sujeito às restrições e limitações inerentes ao mundo. O distanciamento é um pré-requisito para a influência. Quando a pessoa se sente afastada do mundo desta forma, como um estrangeiro num país estranho, pode enxergar o mundo objetivamente para ver o que precisa ser reparado e, em maior ou menor grau, como repará-lo. Sem este distanciamento, ele mesmo fica como que preso na falta de Divindade e nas leis naturais do mundo. Dessa maneira, antes de passarmos ao estágio de suavização, quando então o ofuscamento da Divindade que informa este mundo for finalmente transformado na Divina revelação que deveria ser, devemos primeiro passar pelo estágio da separação.
É tentador pensar que esta fase de separação na psique começa apenas quando a pessoa começa a estudar Torá. Ele está agora, então, aprendendo como distinguir entre o bem e o mal. Entretanto, a verdade é que a fase da separação começa muito antes disso, praticamente desde o nascimento.
A Torá ordena que todo judeu do sexo masculino seja ritualmente circuncidado, oito dias após o nascimento. As mulheres são consideradas como circuncidadas de nascença, ou seja, a mulher possui seja qual for a plenitude espiritual que o homem adquire através da circuncisão assim que nasce.
A circuncisão significa que o prepúcio interposto entre o homem e o mundo fora dele é um defeito espiritual que necessita ser removido. Este defeito é, por um lado, a elevada sensualidade do prepúcio, juntamente com sua insensibilidade inata do outro. A presença do prepúcio torna as relações sexuais mais agradáveis fisicamente, mas também distancia o indivíduo dos sentimentos da parceira. É, portanto, a manifestação física tanto do desejo egoísta e sensual, como do egocentrismo inato. Se for deixado, tornar-se-á a raiz de todos os males que podem perturbar uma pessoa na vida. A circuncisão é o ato de dessensibilizar uma pessoa à própria luxúria por prazer, e sensibilizá-la aos sentimentos dos outros.
Isso obviamente não quer dizer que um homem circuncidado ou uma mulher sejam imunes ao ego e à lascívia. Uma pessoa pode, é claro, readquirir seu egocentrismo e luxúria, seja através de influências externas ou com a voluntária identificação com sua natureza animal. Isso é chamado empanar ou danificar o pacto da circuncisão. Mas o fato de a pessoa ter sido circuncidada quando bebê (ou ter nascido circuncidada, como é o caso da mulher) lhe dá a capacidade, durante toda sua vida, de retificar fundamentalmente e suavizar seu subconsciente, se pelo menos fizer um esforço nesse sentido. Sua circuncisão é sua força para revelar as profundezas obscuras e ocultas de sua alma numa confissão sincera a um confidente. Isso ocorre porque livrou-se de grande parte da concha de egocentrismo, tornando-lhe possível atingir uma visão objetiva de seus próprios problemas.
Desprezando os pensamentos negativos: a supressão dentro da separação
O primeiro estágio ao se ignorar a ansiedade, que muitas vezes nem ao menos é feito conscientemente, é a forma em que a pessoa espontaneamente despreza muitos, se não a maioria, dos pensamentos que afloram do subconsciente. Esta é uma forma saudável e natural de supressão, que simplesmente impede cada pequena ânsia negativa ou complexo que vem à mente de complicar-se e atrapalhar as funções normais da vida. Muitas vezes, estes murmúrios não estão muito profundamente enraizados no subconsciente, e portanto não garantem nenhum tratamento fundamental que poderia requerer muita atenção.
Se é este o caso, então ignorar o problema é na verdade a melhor maneira de lidar com ele. Atenção injustificada ao problema apenas o agravará, fazendo com que assuma proporções artificiais. Por exemplo, nossos sábios ensinam que a melhor forma de lutar contra a ira é permanecer calado, e a melhor maneira de neutralizar a inveja é ignorá-la.
Quando a pessoa faz isso conscientemente, sua desatenção para com seus problemas, ansiedades e neuroses, e mesmo psicoses, é uma admissão tácita de que é impotente para confrontá-los e desafiá-los por si mesma. Concomitante com sua percepção de inferioridade existencial e degradação, está sua percepção de sua inabilidade de atacar diretamente o mal dentro de si. Seu primeiro recurso, então, é simplesmente ignorá-lo.
Quando a pessoa percebe que seus pensamentos sombrios não lhe dão paz e ignorá-los não ajuda, volta-se para o céu e implora pela ajuda de D'us. Ao suplicar a D'us, a pessoa logo percebe a existência do mal dentro de si, e admite que não pode lutar por si só. Percebe que suas preces anteriores não foram intensas ou específicas o suficiente para livrá-lo do mal em particular de que sofre no momento presente. Em suas preces anteriores, pediu a D'us pela força para superar as ansiedades; agora, percebe que esta prece não foi respondida plenamente, e em vez disso, reza para que o próprio D'us o resgate delas.
Porém, não há neste ponto nenhuma confrontação direta com o mal, nem há qualquer tentativa por parte da pessoa de convocar suas forças para combatê-lo.
A conscientizaçã o e efeitos subconscientes da circuncisão na psique de uma pessoa é que ela sabe que é essencialmente boa, e existencialmente deparada dos problemas e ansiedades que perseguem sua mente. Pode, a qualquer tempo, valer-se da ajuda de D'us, pois D'us está sempre a seu lado, por assim dizer, pronto a salvá-lo do ataque do mal, dos maus pensamentos que constantemente o atacam. Nesse sentido, pode sempre considerar-se acima do sofrimento deste mundo.
A admissão da incapacidade de livrar-se dos pensamentos negativos ou implorar a D'us quando incapaz de fazê-lo, é a sub-fase de submissão dentro da separação.
Prece meditativa: separação dentro da separação
Os dois estágios seguintes de ignorar o mal são justificados pela presunção de que a essência da alma Divina judia não é afetada pelas fraquezas de sua alma animalesca. Dessa forma, é possível a uma pessoa retificar sua psicologia em geral, enfatizando seu lado Divino e possibilitando de forma ideal que assuma controle total sobre sua personalidade. Como a psicologia secular não pode reconhecer a existência da alma Divina separada, espera-se apenas que muitas escolas de psicologia desaprovem a aparente evasão de se lidar diretamente com estas manifestações das ânsias inferiores que iremos detalhar.
A arte da meditação é o meio pelo qual a alma adquire as asas da consciência necessárias para se elevar acima e além dos confins do seu "eu" inferior, com seu ambiente de pensamentos negativos que assolam a consciência da pessoa. Umas das formas básicas de meditação ensinadas pelo Báal Shem Tov é visualizar-se ascendendo de mundo a mundo. Isso significa compreender níveis mais e mais elevados de bitul (abnegação).
Primeiro, deve-se lembrar da descida inicial da alma no nascimento, das alturas celestiais às profundezas deste mundo, e então, com a certeza da fé que isso é em benefício de uma ascensão maior, começar a escalar a escada da prece meditativa. A meditação judaica não se satisfaz com meras formas de visualização. Ao contrário, deve ser parte da prece a D'us, fazendo-a em Sua presença, e pedindo-Lhe para que o eleve.
Todo elemento da criação tem sua origem espiritual mais elevada, à qual é capaz de subir com a ajuda da meditação. Na prece Perec Shirá, cada faceta da criação entoa sua canção de louvor específica a D'us. O judeu tem um canal judaico, o não-judeu tem seu próprio canal, e assim por diante, em toda a criação. Isso é predicado do reconhecimento inato que o indivíduo tem uma fonte espiritual mais elevada. Esta é a separação inata da pessoa. Cada pessoa é um estrangeiro numa terra estranha. Umas das funções da alma judaica é despertar esta realidade por toda criação.
Esta é a sub-fase da separação dentro da separação.
Raciocínio positivo: suavizamento dentro da separação
Após sair da prece meditativa, a pessoa pode agora ativamente ignorar suas ansiedades substituindo seus maus pensamentos por outros positivos. Particularmente eficaz a esse respeito, é claro, é a contemplação de idéias da Torá, especialmente aquelas que engendram sentimentos de santidade, pureza, otimismo e felicidade. Dessa maneira, não será deixado lugar na mente para pensamentos confusos e maus.
Podemos não ser capazes de parar de pensar, mas estamos em liberdade para escolher sobre o que pensar. O poder do pensamento positivo de provocar o bem e do pensamento negativo de provocar o mal tem sido repetidamente documentado. Não há razão para não utilizar esta poderosa ferramenta para melhorar a qualidade da vida de alguém em geral, e o bem-estar mental em particular.
Entregue a seus próprios recursos, a mente por si mesma se encherá de pensamentos negativos que brotam de seu subconsciente não-retificado. É portanto necessário ocupar a mente de forma consciente com pensamentos puros e positivos. A fonte melhor e mais potente destes pensamentos é a própria Torá, como está escrito: (Salmos 19:9): "Os preceitos de D'us são justos, alegrando o coração."
Desviar a mente do problema imergindo no estudo de Torá pode parecer uma forma de escapismo, pois o problema permanece não resolvido, e a pessoa está apenas adiando ter de lidar com ele. A eficácia desta técnica, entretanto, está no fato de que a Torá conecta a pessoa que está estudando-a com D'us, o outorgador da Torá. Isso lhe concede o poder espiritual necessário para enfrentar este problema de forma otimista.
Uma pessoa pode reagir a qualquer situação de forma otimista ou pessimista. Os fatos objetivos do problema são os mesmos, mas a forma de reagir a eles são sua escolha. A Torá nos diz (Devarim 30:19): "Coloquei diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição... Portanto, escolha a vida!" Escolha ser otimista.
A clássica ilustração para isso é a seguinte história no Talmud, Berachot 60b, contada sobre Rabi Akiva, o pilar da Torá oral:
Rabi Akiva estava certa vez viajando, e chegou a uma determinada cidade. Procurou por um lugar para ficar, mas foi recusado em toda parte. Disse: "Tudo aquilo que D'us faz é para o bem," e passou a noite em campo aberto. Tinha consigo um galo para acordá-lo, um burro e uma lamparina. O vento apagou a chama da lamparina; uma raposa veio e comeu o galo; um leão veio e comeu o burro. Ele disse novamente: "Tudo que D'us faz é para o bem." Naquela mesma noite, um bando de salteadores veio e atacou os moradores da cidade; ele, porém, foi poupado. Se a lamparina não tivesse sido apagada, os bandidos tê-la-iam visto, e teriam ido atrás dele também. Similarmente, se tivessem escutado o galo ou o burro, teriam-no perseguido. Ele disse: "Não lhe falei que tudo que D'us faz é para o bem?"
A capacidade de Rabi Akiva de ver tudo que lhe acontecia de forma otimista era derivada, em última análise, de sua devotada imersão no estudo de Torá. E de fato, o valor numérico da declaração de Rabi Akiva, que tudo aquilo que D'us faz é para o bem, é idêntica em hebraico àquela da palavra Torá.
A sub-fase de suavização dentro da separação é quando a pessoa preenche ativamente o vazio em sua mente com pensamentos positivos de Torá e/ou otimismo.
Três fases da submissão
O primeiro estágio da retificação da psique é a submissão. O "eu" afirmativo é a fonte de todo mal físico e espiritual, e sua neutralização é a condição sine qua non do processo de retificação. Quanto maior o ego da pessoa, maiores suas preocupações e problemas. Quanto mais a pessoa experimenta seu próprio "eu" e ocupa sua consciência com sua própria imagem e sentimentos, mais intimidante será qualquer coisa que represente uma ameaça em potencial à perfeição de sua auto-percepção. Ele merece tudo, e carece de tudo.
Dessa maneira, o estágio mais básico e mais primário na cura da psique é a submissão. Submissão é a simples conscientizaçã o e a experiência natural existencial de não ser perfeito. Cada pessoa sabe, até certo ponto, que possui uma alma animalesca, um repositório de ânsias baixas e desejos egoístas. Embora geralmente gostemos de nos identificar com propósitos de certa forma mais elevados que estes, a verdade é que a maior parte do tempo nos identificamos com esta alma; consideramos sua perspectiva, modo de pensar e aspirações como sendo nossas. Assim que a pessoa percebe isso, a conclusão lógica é que, em contradição a sua presunção inicial, ele realmente nada merece! Ele na verdade não é melhor que qualquer outro, e há grandes chances de que seja pior que a maioria das pessoas.
Se o caso for este, todas as ansiedades da pessoa se evaporam numa nuvem de fumaça. Ele não merece mais nada, e nada mais representa uma ameaça à sua auto-imagem. Seu conhecimento da sua inferioridade inata o faz consciente de que ele está naturalmente propenso a adquirir todo tipo de complexos e desordens psicológicas. O lado sombrio de sua personalidade, que ele agora percebe dominar sua consciência, agirá naturalmente como um ímã para cada problema psicológico e físico imaginável.
Se, então, houver algo positivo em sua vida, pode ser apenas uma bondade imerecida que D'us lhe concedeu. Sua reação a este ato de Divina graça será felicidade imorredoura, e gratidão a D'us. Embora uma pessoa egocêntrica sempre considere o bem em sua vida como sendo insuficiente, sendo portanto causa para reclamação, a pessoa altruísta sempre considera o bem em sua vida como sendo além e acima daquilo que merece, e portanto causa para felicidade e gratidão consumadas.
A esta luz, a pessoa altruísta será capaz de considerar tudo aquilo que lhe acontece como bom, pois tudo vem de D'us e tudo que D'us faz é bom, pois tal é Sua natureza.
O objeto de auto-refinamento é reorientar nossas emoções em direção à Divindade: D'us deveria ser o Único objeto de nosso amor, o Único a quem tememos, e assim por diante. A fim de conseguir isso, porém, uma pessoa não deveria tentar mudar a orientação de suas emoções diretamente, buscando experiências que o inspirarão a amar e a temer a D'us. Ele pode de fato conseguir temporariamente reorientar suas emoções desta forma, mas o efeito será efêmero. Assim que a experiência passar, a emoção passará com ela. A maneira muito mais eficaz de mudar a orientação das emoções é indiretamente, controlando a mente e forçando-a a contemplar verdades que espontaneamente gerarão reações emocionais correspondentes.
A extensão a qual uma pessoa pode anular seu ego é uma função do quê ela contempla, e como escolhe contemplá-lo. Deve primeiro considerar sua própria nulidade existencial, bem como aquela do universo em geral. Isso, entretanto, não é suficiente em si e por si mesmo. Ele deve continuar a examinar todas suas faltas e erros, que se expressam como todas suas ansiedades e temores. Ao revisá-los um a um, o absoluto de sua nulidade existencial é enfatizado mais e mais graficamente. O efeito cumulativo de enfrentar exemplo após exemplo do sua própria falta de valor é um buraco negro psicológico que suga o ego da pessoa, aniquilando- o pedaço por pedaço.
Neste estágio, a pessoa está ocupada demais enfrentando sua própria grosseria e vulgaridade para retificar ou curar qualquer uma de suas ansiedades. Tudo que pode fazer, e deveria, neste ponto, é ficar espantado pela profundeza de sua própria depravação enquanto ela se desenrola à sua frente. Esta capacidade de examinar as próprias ansiedades sem se sentir preso dentro delas é um portento da segunda fase da submissão, como será explicado agora.
No decorrer de contemplar a infinitude de D'us e o nada da criação em geral, a realidade desta verdade impressionará tanto a mente da pessoa que essa começará a considerar a criação insignificante. Conforme ele continua a considerar mais esta realidade, concluirá que a criação por si só não possui existência independente de nenhuma forma, como está escrito, "não há nada além d'Ele."
Quando ele começa a contemplar esta verdade com todos os detalhes, entretanto, considerando suas próprias falhas em todo seu relevo gráfico, ele perceberá que não apenas não possui a realidade intrínseca que D'us possui, mas que na verdade é a antítese daquela realidade. Sua orientação material faz de sua vida inteira uma negação, e uma afronta à onipresença de D'us. Ele é não apenas insignificante, não-real, e não-intrínseco, ele é anti-significante, anti-real e anti-intrínseco. Ele não apenas não possui uma realidade intrínseca, ele possui uma realidade negativa. Ele é na verdade um buraco negro espiritual de anti-matéria, um borrão negativo na perfeição da criação de D'us.
Após esta contemplação intensiva de suas falhas, a pessoa volta-se para D'us em prece, gritando das profundezas de seu coração. Implora a D'us para sustentá-lo e, em Sua infinita misericórdia, anular o profundo abismo que o separa d'Ele. Cada detalhe da depravação desmascarada da pessoa torna-se a causa e o assunto de outra prece, outro grito dirigido a D'us.
Identificamos assim três sub-processos distintos dentro do processo de submissão em geral. Segundo o princípio da inter-inclusã o, estes são os três sub-níveis de submissão dentro da submissão, separação dentro da submissão, e o suavizamento dentro da submissão. A repressão geral do ego é a submissão dentro da submissão. A examinação detalhada das faltas e ansiedades é um ato de separação, pois serve para separar a pessoa de seus problemas, e a divorcia de sua identificação com eles. Prece sincera e humilde a D'us, a conversa particular entre o homem e seu Criador, é similar ao estágio de suavizamento de se abrir com uma pessoa de confiança. Deve assim ser claramente identificado aqui com o estágio de suavizamento dentro da submissão.
Três fases de separação
A fase separação da terapia é aquela na qual a pessoa ignora suas ansiedades, problemas ou maus pensamentos que a incomodam, substituindo- os por pensamentos positivos. Esta fase é necessária para que ocorra a fase final, ou seja, articulação e discussão do problema através do qual este pode ser curado e retificado de uma só vez.
Para referir-se a algo objetivamente e realmente analisá-lo, a pessoa primeiro deve ser liberada de suas amarras subjetivas com ele. Quando uma pessoa se concentra em algum conceito da Torá, incluindo temas teológicos como a natureza de D'us, etc., está criando um ponto de vantagem abstrato a partir do qual pode assumir um relacionamento imparcial com seus próprios problemas e complexos.
De fato, é explicado detalhadamente no pensamento chassídico que a capacidade da pessoa de retificar o mundo e transformá-lo em uma morada para D'us depende de sua habilidade de sentir que ele próprio não está sujeito às restrições e limitações inerentes do mundo. O distanciamento é pré-requisito para influenciar. Quando a pessoa sente-se distanciada do mundo desta maneira, como um estranho numa terra estrangeira, pode visualizar o mundo objetivamente e ver o que precisa ser consertado e, em maior ou menor grau, como consertá-lo. Sem este distanciamento, ele próprio está cerceado pela não-Divindade e leis naturais do mundo. Dessa forma, antes que prossigamos ao estágio de suavizamento, onde o ofuscamento da Divindade que denuncia este mundo será por fim transformado na Divina revelação como deveria ser, devemos primeiro passar pelo estágio da separação.
É tentador pensar que esta fase de separação na psique inicia-se somente quando a pessoa começa a aprender Torá. Está então preenchendo o vazio de sua mente com águas da vida, como descrevemos anteriormente, e aprendendo a distinguir o bem do mal. Entretanto, a verdade é que a fase da separação começa muito antes disso, praticamente desde o nascimento.
A Torá ordena que todo judeu seja ritualmente circuncidado oito dias após o nascimento. As mulheres são consideradas circuncidadas desde que nasceram, ou seja, uma mulher possui a plenitude espiritual que o homem adquire pela circuncisão, desde o momento em que nasceu.
A circuncisão implica que o prepúcio interposto entre as terminações nervosas do homem e o mundo exterior a ele é um defeito espiritual que deve ser removido. Este crescimento excessivo de afastamento dos sentimentos dos outros é a manifestação física do egocentrismo inato que, caso não seja extraído, tornar-se-á a raiz de todos os males que podem assolar a pessoa na vida. A circuncisão é o ato de sensibilizar a pessoa aos sentimentos dos outros, e neutralizar seu próprio ego.
Isso naturalmente não equivale a dizer que um homem circuncidado ou mulher está imune ao ego e seus problemas doentios. A pessoa pode, é claro, readquirir seu egocentrismo, seja através de influências externas ou pela identificação com sua natureza animalesca. Isso é chamado de embaciar ou danificar o pacto da circuncisão. O fato de a pessoa ter sido circuncidada quando bebê (ou nascido circuncidada, como no caso da mulher) lhe dá a capacidade, por toda a vida, de retificar e suavizar fundamentalmente seu subconsciente, se ao menos fizer o esforço necessário. Sua circuncisão é seu poder de revelar as profundezas sombrias e ocultas de sua alma, numa sincera confissão a um confidente de confiança. Livrar-se da concha de egocentrismo faz com que lhe seja possível atingir uma visão objetiva de seus próprios problemas.
Dentro da fase de separação da terapia podemos identificar três sub-fases, assim como fizemos a respeito da fase de submissão.
O primeiro estágio da separação é quando o indivíduo admite sua própria incapacidade de atacar diretamente seus múltiplos problemas, ansiedades, neuroses e psicoses que ele identificou dentro de si na fase da submissão. Par e passo com sua percepção de sua inferioridade e degradação existencial, está a percepção de sua impotência para enfrentar e desafiar esta abundância de problemas por si mesmo. Seu primeiro recurso, então, é simplesmente ignorá-los. Esta admissão da falta de adequação é a sub-fase da submissão dentro da separação.
A consciência e efeito subconsciente da circuncisão na psique de alguém é que ele sabe que é essencialmente bom, e existencialmente separado dos problemas e ansiedades que assediam sua mente. Ele pode, a qualquer tempo, valer-se da ajuda de D'us, pois D'us está sempre a seu lado, por assim dizer, pronto a salvá-lo da investida dos pensamentos maus e sombrios que constantemente o atacam. Neste sentido, ele pode sempre considerar-se acima do sofrimento do mundo. Esta é a sub-fase da separação dentro da separação.
A sub-fase de suavizamento dentro da separação é quando a pessoa preenche ativamente o vazio em sua mente com pensamentos positivos de Torá e/ou otimismo.
Suavização sem a separação
É necessário prefaciar os estágios da submissão antes de tentar passar ao estágio final, suavização.
O próprio ato de discutir os problemas com outra pessoa e fazer um esforço conjunto para resolvê-los são técnicas terapêuticas positivas e necessárias, e sancionadas pela Torá. Mas esta fase de suavização deve ser precedida por aquela da separação.
A psicologia secular não vê nenhum valor compensatório em ignorar os problemas. Em sua opinião, isso é repressão, recusa voluntária de permitir que os pensamentos subconscientes aflorem à mente consciente, onde podem ser tratados. Quando estes pensamentos, impulsos e ânsias são reprimidos, irão apenas infeccionar dentro do subconsciente, para finalmente reaparecer em forma muito mais prejudicial. A psicologia secular, dessa forma, encoraja a pessoa a lidar com seus problemas psicológicos assim que se tornar consciente deles.
Na verdade, a psicologia secular desenvolveu uma progressão de submissão-separaçã o-suavizaçã o toda própria. Para ter certeza, esta progressão em três partes difere fundamentalmente da tripla progressão implícita nos ensinamentos da Cabalá e Chassidismo, pois a psicologia secular não pode fatorar a existência de D'us ou da alma Divina na equação da saúde mental. Porém, seus muitos sucessos (embora parciais como possam ser) indicam que há alguns pontos verdadeiros em sua compreensão básica da psicologia humana. Isso se aplica à topologia da psique, a alma animalesca, que a moderna psicologia descreve de forma bastante completa, bem como a suas abordagens à terapia em geral.
A fase da submissão na psicologia secular é a preocupação extensiva do terapeuta e da terapia com a questão dos limites e fronteiras. No decorrer de sua terapia, o paciente é solicitado a dar a devida atenção ao contrato entre si e o terapeuta, ao que é permitido e ao que é proibido, tanto dentro do consultório do terapeuta como fora dele. Aceitar as limitações destas regras do jogo é uma forma de submissão, uma humilhação do desejo do paciente, que de outra forma seria irrestrito, de se expressar e atingir suas aspirações de qualquer maneira possível.
O estágio de separação vem à baila em uma das partes mais cruciais do diálogo entre o terapeuta e o paciente, na qual é traçada a distinção entre aquelas facetas da psique do paciente que são intrínsecas a ele e àquelas que se originam fora dele. Muitas vezes, no decorrer de tal discussão, o paciente vem a entender que os maus elementos que ele tinha considerado parte de sua personalidade são na verdade a bagagem externa que foi enxertada em si, e que ele não precisa continuar carregando. Aqui a separação é feita entre o verdadeiro 'eu' interior do paciente e a crosta exterior, não essencial, que o envolve.
A fase de suavização da terapia psicológica secular é descrita graficamente nas teorias psicológicas mais recentes, segundo as quais o terapeuta muitas vezes faz o papel de uma mãe, refletindo os pontos bons do filho de volta para ele. Isso serve para curar a psique doente do paciente, conforme estes pontos bons se expandem em sua consciência.
A psicologia secular até dá sua própria advertência contra a suavização prematura, especialmente no contexto de sua discussão sobre a importância do senso de oportunidade do terapeuta. Ele é aconselhado a não tocar em problemas difíceis antes que o paciente esteja maduro para lidar com eles. Um mau senso de oportunidade a este respeito é passível de levar a uma reação terapêutica negativa, que apenas prejudicará o processo terapêutico e possivelmente fará mal ao paciente.
Tudo isso serve para ilustrar o fato de que, embora aparentemente exista uma semelhança exterior entre a psicologia judaica e a secular, uma diferença essencial permanece. A psicologia secular está cerceada pelos limites da alma animalesca do paciente e pelo intelecto humano do terapeuta, ao passo que as práticas terapêuticas judaicas extraem sua eficácia da revelação dos infinitos poderes da alma Divina, e sua conexão com sua Fonte, bem como da profunda crença do terapeuta-mentor em sua existência e potência.
Separação através da Torá
Estranho como possa parecer, a psicologia secular geralmente procura omitir o que considera ser o estágio detrimental da separação e ignorar a ansiedade. Este é um exemplo clássico do que a doutrina chassídica identifica como a fraqueza humana comum de procurar começar diretamente com o processo de suavização, sem passar pelos estágios prévios de submissão e separação.
O estágio de separação é onde o elemento incomparavelmente judaico no processo de interpretar a vida aparece: aquele da Torá. A palavra Torá em hebraico significa instrução: a Torá é a instrução Divina eterna através dos tempos, que possibilita à pessoa distinguir entre o sagrado e o profano, entre o puro e o impuro. No estágio da separação, a pessoa define para si o que será considerado permitido e o que será proibido. Seu propósito ao fazê-lo é mudar inteiramente para a área do permitido, e renegar o que é proibido completamente, em pensamento, palavra e ação. Quando lhe ocorre um mau pensamento (e isso inclui qualquer pensamento que distraia sua atenção do relacionamento com D'us) sua reação imediata será então ignorar este pensamento.
Apenas após ter estabelecido as fronteiras entre o bem e o mal, e tendo ficado especialista na arte de ignorar o mal, será possível prosseguir ao próximo estágio, da suavização. Somente então a pessoa pode começar a examinar, identificar e expor os recessos ocultos de sua mente subconsciente, a fim de transformar esta área sombria e profana em luz. Este é o significado místico do versículo descrevendo a criação da luz e das trevas: (Bereshit 1:5) "E D'us chamou à luz, dia, e à escuridão, chamou noite." Deu a cada um seu lugar definido, "e foi tarde, e foi manhã, dia um." Apenas então tudo podia ser suavizado e tornar-se parte da unidade da criação.
Permissividade versus Simplificação
A psicologia secular não possui a Torá, e portanto não tem uma definição clara do que é permitido e do que é proibido. Por isso, tende instintivamente para a permissividade, a atitude de que tudo é essencialmente permitido. (Isso é especialmente evidente a respeito da sexualidade, cuja ausência de restrições aparentemente não é prejudicial à sociedade). Segundo o ponto de vista secular, a melhor forma de resolver problemas psicológicos é ser tão livre e sem restrições quanto possível, e permitir que a luxúria natural do ser humano reine livre para procurar sua realização.
De forma oposta, a permissividade atingida na terceira fase da terapia de suavização conforme orientada pela Torá, que é feita somente depois das fases preliminares de submissão e separação, não se constitui numa liberação de nenhuma das proibições legisladas na Torá. Isso, apesar do fato de que a pessoa entra no domínio das trevas a fim de transformá-las em luz.
(A verdade é que há casos extremamente excepcionais, na qual a própria Torá prescreve que o indivíduo realize temporariamente um ato normalmente proibido, ou abstenha-se de realizar um ato normalmente permitido. Nas palavras do Tehilim (119:126): É tempo de agir para D'us; anule a Torá! Estes casos, entretanto, são bastante raros, e portanto fora do escopo desta discussão.)
O contrário que ocorre, então, entre as fases da separação e suavização dos processos definidos da Torá de terapia psicológica é o seguinte:
Durante o tempo em que a pessoa está passando pela fase da separação de sua reforma espiritual, deve abster-se de condescender com quaisquer prazeres mundanos para seus próprios objetivos particulares. Certo, a Torá permite que a pessoa aproveite os prazeres mundanos, desde que ao fazê-lo não transgrida nenhuma de suas proibições. Entretanto, neste estágio, o indivíduo ainda não está suficientemente maduro espiritualmente para permitir-se este luxo. Deve, ao contrário, seguir o conselho de nossos Sábios para pessoas neste estágio de consciência: "Santifique-se [até mesmo] com respeito àquilo que [de outra forma] é permitido a você." Deve abster-se de qualquer prazer sensual que este mundo lhe ofereça, a menos que forme uma parte essencial do cumprimento de algum mandamento Divino. Um exemplo seria a melhor comida e bebida em honra ao Shabat. Mas mesmo aqui, como ele ainda não atingiu a completa maturidade espiritual, é aconselhado a exercitar a abstenção até o máximo que lhe for possível.
Em contraste, quando uma pessoa atingiu o estágio de suavização e livrou-se da auto-orientaçã o de seu ego não retificado, pode de fato começar a saborear os deleites que D'us colocou no mundo para nosso proveito. Neste contexto, recém-mencionado conselho de nossos Sábios teria o significado de: "Infunda sua santa atitude para com a vida em tudo que os prazeres lhe permitem." Esta é a interpretação do chassidismo da diretiva do Rei Salomão: "Conheça-O em todos os seus caminhos" (Mishlê 3:6) e a afirmação de nossos Sábios de que o homem será chamado ao final para prestar contas por todos os prazeres que poderia ter usufruído neste mundo e absteve-se de fazê-lo. Todos os atos de uma pessoa neste nível são verdadeiramente por amor aos céus.
Esta suavização da vida sancionada pela Torá é descrita como dando grande prazer a D'us, por assim dizer, pois Ele criou este mundo como um veículo através do qual proporciona prazer a Suas criaturas. Mesmo assim, deve-se ter em mente que é impossível apreciar o mundo na maneira que D'us pretendeu, a menos que mantenhamos uma constante consciência e percepção de Sua presença em nossa vida.
Separação como a chave para a suavização
A constante conscientizaçã o de D'us, mesmo quando desfrutando dos prazeres de Seu mundo, é atingível somente depois que o trabalho de separação foi completado. Através de seu desejo de repelir as amarras deste mundo e apegar-se somente a D'us, e pela aderência estrita à Torá e aos mandamentos de D'us, a pessoa liberta-se com sucesso de sua escravidão à gratificação sensual. Assim que a pessoa tenha vivenciado o bom sentimento e o verdadeiro deleite de ficar perto de D'us, as tentações deste mundo não mais a impressionam. Não se sente mais compelido a empenhar-se para obtê-los e se comprazer com eles. Quando o indivíduo que atingiu este nível de maturidade espiritual consente em algum deleite físico, assim o faz de modo essencialmente liberado. Ele sente o prazer como puro e não adulterado, ao invés do preenchimento de algum vazio ou necessidade artificial. Mais importante, como ele de forma alguma é cativo do prazer com o qual é indulgente, ele pode associar-se livremente e vivenciá-lo no contexto de sua conexão geral e sua consciência sobre D'us.
Durante o estágio de separação, o indivíduo não articula o mal oculto dentro dele para ninguém mais, mas ao contrário, tenta da melhor forma ignorá-lo e não pensar a respeito dele. Em contraste, durante o período de suavização, uma vez que se tenha divorciado de sua identificação antiga com suas neuroses e se libertado da idéia errônea de que estas neuroses formam a essência de sua psique, a pessoa pode desabafar com seu confidente e revelar-lhe todos seus problemas, enquanto tenta lidar com eles. Por todo o tempo que durar o estágio da separação, falar do mal é por si mesmo mal, segundo o dito de nossos Sábios, que a pessoa jamais deve concluir que é má. No estágio de suavização, a pessoa pode entrar em sua própria área má e discuti-la a fim de suavizá-la. Aqui, a permissividade é a permissão para discutir o que anteriormente era tabu.
O desejo de suavizar imediatamente a realidade, sem separá-la (ou subjugá-la) primeiro, lembra o pecado dos judeus no deserto, que tentaram prosseguir rumo à terra prometida mesmo depois que D'us lhes disse que estavam condenados a vagar no deserto por quarenta anos (Bamidbar 14:40-45). Moshê advertiu-os que D'us não estaria com eles, e de fato, eles foram logo derrotados em batalha pelas nações inimigas que se opunham a seu caminho.
A impetuosidade é a raiz de muitos pecados descritos na Torá, até mesmo, às vezes, aqueles de indivíduos íntegros e puros. O desejo psicológico de forçar descuidadamente em direção ao fim origina-se na mesma falta de habilidade em lidar com o mal que motiva a pessoa a empurrar (reprimir) seu mal interior de volta a seu subconsciente. Quando a pessoa sente-se ameaçada pelo mal dentro de si, sente-se pressionada, ou a reprimi-lo (e desta forma evita o processo de separação) ou a fingir que ele não existe (e assim prosseguir prematuramente ao processo de suavização).
Suavizando o subconsciente
O terceiro estágio é a habilidade de suavizar a ansiedade, articulando- a e discutindo-a com outra pessoa.
Este estágio é mencionado alegoricamente na profecia de Yechezkel (Ezekiel). Ao descrever o Templo que será reconstruído como o centro de Jerusalém na Era Messiânica, o profeta descreve uma fonte extraordinária, cujas águas fluirão para fora da câmara interior do Templo. A água se transformará num rio poderoso e adoçará (ou seja, tornará potável) toda a água salgada do mundo. Árvores crescerão às margens deste rio, e todos os frutos destas árvores serão para alimento, e suas folhas para o descanso curativo. (Yechezkel 47:12).
Descanso curativo é o relaxamento que fornece alívio das tensões e pressões que acompanham os temores e ansiedades. Quando a pessoa é aliviada deste atrito, o fluxo adequado é restaurado, tanto no sistema psicológico do corpo quanto no físico. O relaxamento é assim a condição imprescindível da saúde física e mental. Parte deste processo de relaxamento é, naturalmente, a permissão psicológica concedida à pessoa para expressar-se livremente e liberar suas preocupações e temores. Este processo, em última instância, leva à sua cura psicológica.
A fonte deste descanso curativo na imaginação da profecia de Yechezkel é a folha. Uma folha, quando comparada à própria árvore ou a seu fruto, é de importância secundária, um pequeno detalhe que muitas vezes não é valorizado, embora realize a função vital da fotossíntese. De forma semelhante, geralmente ignoramos nossa mente subconsciente e prestamos pouca atenção à maneira crucial pela qual ela afeta nossa vida. A folha é, portanto, uma metáfora apropriada para o subconsciente.
A folha, o inconsciente, encerra a chave da suprema cura da psique. No futuro, as folhas se tornarão comestíveis, como frutas. Com a completa transformação do mal em bem, o subconsciente será capaz de expressar-se por inteiro. Todas as restrições e cautelas rodeando sua articulação serão relaxadas.
O início do Livro de Tehilim (Salmos) também faz uso da imagem da folha no contexto da árvore à qual está ligada (Tehilim 1:1-3):
"Feliz é o homem que não seguiu o conselho do perverso... Mas sim deseja [apenas] a Torá de D'us... Ele será como uma árvore plantada junto às correntes de água, que produz seus frutos na estação correspondente, e cuja folha nunca murcha, e tudo o que ele faz prosperará."
Aqui o indivíduo justo é comparado a uma árvore plantada ao lado da água que dá a vida. A folha que não murcha é seu subconsciente, que foi articulado e suavizado. Isso foi conseguido após as fases de submissão (não seguindo o conselho do perverso: distanciando- se da negatividade) e separação (desejando e estudando a Torá de D'us).
Conta-se que o Báal Shem Tov, quando ainda era criança, reconheceu a providência de D'us sobre todas suas criaturas ao observar como uma folha era carregada pelo vento ao longo do solo. Prestando atenção e tomando nota de um fator aparentemente insignificante no grande esquema da criação, ele discerniu a verdade que se tornaria a pedra fundamental de seu sistema teológico. Este sistema está baseado na existência, desenvolvimento e conexão do vínculo extra-consciente entre o homem e D'us.
Num estilo similar, nossos Sábios usam a metáfora da folha para simbolizar a conversação trivial dos eruditos de Torá. Em contraste com a tagarelice mundana dos incultos, a conversação mundana de alguém que está repleto de sabedoria da Torá é por si mesma uma lição sobre como viver santamente, e chega a ser considerada um assunto merecedor de estudo. As lições de vida que emergem na conversação trivial do erudito de Torá refletem a forma pela qual ele retificou sua mente subconsciente. Ao absorver as atitudes expressas por suas palavras, a pessoa comum pode aproveitar alguma coisa de sua visão positiva e construtiva sobre a vida. Como tal, sua conversação mundana, sua folha, pode servir como uma fonte de otimismo e cura para a pessoa comum.
Suavização dentro da suavização
O objetivo de articular as ansiedades para outra pessoa é transformá-las em júbilo com uma boa palavra. Esta boa palavra oferecida pelo confidente pode ser algum conselho sensato, ou pode ser alguma maneira aprofundada de entender a raiz do problema. Alternativamente, pode mesmo ser um nível mais elevado de solução para o problema, o que discutiremos agora.
A articulação da ansiedade ou do mal na psique efetua a suavização em três níveis. Primeiro, a simples articulação do problema em si o suaviza até um determinado grau. O pensamento chassídico explica que o poder da palavra encerra uma sutil experiência de prazer, e que falar por sua vez abre a fonte de prazer na alma. Isso suaviza ou injeta um elemento de prazer em tudo aquilo que a pessoa fala. A conversa revela o poder da pessoa em expor os domínios secretos de sua alma, e a experiência de falar ensina à pessoa que não está sozinha, mas sim envolvida pela misericórdia de D'us. Pela mercê de D'us, uma pessoa pode permanecer conectada a Ele apesar das profundas falhas em sua psique. Esta experiência é conseguida principalmente graças ao confidente interessado, que judiciosamente se abstém de recuar horrorizado ao ouvir a confissão de quem se abre, mas sim deixa-o saber que embora tenha desvelado pontos delicados, eles por si mesmos não constituem uma ameaça a seu relacionamento com D'us.
O bom conselho oferecido pelo confidente continua o processo de suavização. Pavimenta o caminho rumo à retificação do problema, e dissocia o sofredor de seu sofrimento. Uma vez que a solução tenha sido proposta, a pessoa pode ver-se como que pairando acima de sua situação, e ponderar objetivamente suas opções a respeito de como retificá-la e redimi-la.
A suavização final, entretanto, ocorre quando aquele que confia, ou o confidente, descobre uma percepção nova e perspicaz da realidade necessitada pela existência do problema. Esta nova percepção os torna capazes de entender de imediato o processo real e verdadeiro que levou à existência do problema, para começar. Com este conhecimento, a pessoa que confia pode ajustar sua forma de viver, para que não mais seja presa desta armadilha.
A nova percepção dentro da natureza da realidade, tendo sido precedida pelo estágio de separação da completa submissão à autoridade da Torá em decidir o que é bom e o que é mau, é uma revelação de uma nova dimensão no entendimento da Torá. Nossos Sábios chamam a Torá de projeto de D'us para a criação. É Seu plano, segundo o qual Ele criou o mundo, o circuito interior conectado à realidade. Qualquer novo entendimento da realidade, portanto, é essencialmente uma nova percepção dentro da Torá.
A existência do mal, ansiedade ou temor dentro da psique é apenas um sintoma de uma moléstia mais geral: o quadro imperfeito ou a interpretação da realidade. Nascemos em um mundo de aparente dissonância; a maturação é em grande parte o processo de escolher dentre a miríade de contradições que a realidade nos apresenta, e desenvolver uma visão abrangente do mundo, que possa explicar como a aparente desarmonia na verdade reflete a unidade subjacente dentro da criação. O sucesso que a pessoa pode esperar atingir neste processo de aprendizado está na proporção direta do quanto da Torá aprendeu, pois a Torá é a única declaração imutável e inalterada do plano de D'us para a criação. De forma contrária, quanto mais longe a pessoa precisa ir em direção a adotar o modelo de raciocínio e categorias conceituais da Torá, mais as contradições e desacordos da vida a incomodarão.
Embora o bom conselho do confidente dirija-se diretamente ao problema da pessoa que nele confia, a nova percepção não o faz. Esta nasce da tensão criada pelo problema, mas seu foco está sobre algo muito maior: a raiz do problema, a percepção inconsistente e imatura da realidade que permitiu ao problema existir e desenvolver- se.
O desafio de transformar o amargo em doce é talvez a vocação única de nossa geração. As gerações anteriores não foram tão incomodadas por neuroses profundamente enraizadas como nós, ou não foram tão capazes de lidar com elas diretamente, e portanto sua postura foi ignorá-las e reprimi-las.
Assim identificamos três estágios na fase suavizante da terapia, os quais podem ser vistos em si mesmos como a inter-inclusã o de todas as três fases dentro da suavização: submissão dentro da suavização - articulação do problema, separação dentro da suavização - conselhos para lidar diretamente com o mal, e suavização dentro da suavização - transformar (a raiz do) mal em bem.
O terceiro e consumado nível de suavização, o fluxo de novas profundezas no entendimento da pessoa sobre a realidade em geral e a Torá em particular, é uma expressão do aspecto mais profundo da alma Divina judaica. A Cabalá ensina que D'us, o povo judeu e a Torá são de certa forma uma única entidade. Em virtude da completa aniquilação de seu próprio ego, o judeu pode sentir-se como um com D'us e com o intelecto pelo qual Ele criou o mundo, a Torá. O resultado desta tripla identificação é o fluxo espontâneo de novos discernimentos quanto ao significado e relevância da Torá. Conectada à Torá em sua fonte, a alma Divina judaica serve como um conduíte para a revelação da Torá na realidade, no contexto de sua personalidade individual.
Conversa terapêutica
A Cabalá e o Chassidismo ensinam que, além da compreensão comum da Torá que compartilha com todos os judeus, cada indivíduo tem uma conexão somente sua com (ou um ângulo que ele conecta com) a Torá, diferente de qualquer outro judeu. Assim, a obrigação do judeu de aprender a Torá não consiste apenas da exigência de dominar certos tipos e quantidades de informação, mas a exigência de revelar também quaisquer percepções que sua perspectiva única da Torá lhe proporciona. Ao identificar- se com sua fonte única na Divindade, o judeu pode revelar sua conexão ímpar com a Torá, e a partir daí revelar sua porção da Torá.
Quando isso acontece, o indivíduo judeu e seu mentor compartilham uma parcela da experiência de Moshê, o conduíte humano através do qual a Torá foi introduzida ao mundo. A profecia de Moshê foi a mais perfeita e transparente de todos os profetas. Nas palavras de nossos Sábios: a Divina Presença falou através da garganta de Moshê. Um aspecto central do futuro messiânico é que nele, toda a humanidade atingirá este nível de união com D'us: Eu derramarei Meu espírito em toda carne; seus filhos e filhas profetizarão (Yoel 3:1).
Mesmo alguém que não tenha ainda atingido este grau de comunhão com D'us pode ainda beneficiar-se da habilidade da palavra para revelar a essência interior e impenetrada da alma Divina. Ele faz isso através da palavra espontânea e pura.
No pensamento chassídico, a palavra é vista como a do meio das três vestes ou veículos de expressão disponível para a alma. A veste mais refinada e abstrata é o pensamento, e a mais externa e concreta é a ação. O caminho geralmente seguido por uma idéia originada na mente é seqüencialmente através destas três vestes: pensamos a idéia, falamos sobre ela e finalmente a colocamos em ação.
Assim, geralmente pensamos e usamos a palavra como uma forma de expressar as idéias já processadas e pensadas em nossa mente consciente. Como tal, a palavra, aparentemente, não poderia revelar mais a outra pessoa que nosso mundo interior do pensamento. O mundo do pensamento consciente, entretanto, é bastante limitado em relação aos vastos reinos do pensamento inconsciente que constituem a mente subconsciente. A palavra, assim, pareceria estar restrita a expressar as idéias limitadas da mente consciente.
A verdade, entretanto, é que a fala não está ligada de nenhuma maneira específica ao pensamento; é uma veste independente que funciona por si própria. Assim como, às vezes, não falamos sobre nossas idéias mas simplesmente pensamos sobre elas e depois agimos a partir delas, contornando a veste da palavra, portanto podemos às vezes contornar o pensamento consciente e expressar com a palavra uma idéia originando-se nos níveis pré-conscientes da mente. Este tipo de discurso é espontâneo e sem ensaio, em contraste ao tipo de discurso bem pensado e deliberado que expressa cuidadosamente as idéias, editadas e censuradas pela mente consciente através da faculdade do pensamento consciente. Nestes casos de discurso espontâneo, as idéias expressas são os pensamentos profundos e subconscientes que não foram processados ou refinados pela mente consciente.
Como todos sabemos, tais expressões espontâneas da mente subconsciente podem, e ocasionalmente escorregam, através do processo de censura da mente consciente e afloram por distração no decorrer da conversa, muitas vezes para nosso constrangimento. Para que a faculdade da fala expresse os profundos recessos da mente de maneira mais uniforme, entretanto, a pessoa deve ser persuadida a abaixar sua guarda. Isso raramente pode ser conseguido diretamente e com o consentimento consciente da pessoa; geralmente é tarefa do terapeuta ou confidente relaxá-la e fazê-la sentir-se suficientemente à vontade e confiante para permitir que a sentinela de sua mente consciente seja aplacada em um estado temporariamente adormecido. A consciência da pessoa então, muda para um estado mais natural e espontâneo, conforme ela despe a armadura psicológica que normalmente usa a fim de proteger a imagem que deseja preservar para si e para os outros.
Quando isso é feito, a pessoa pode começar a articular suas percepções singulares na Torá, tanto quanto alguém que atingiu o nível de comunhão com D'us descrito nos capítulos anteriores.
Submissão, separação e suavização no terapeuta
Até agora, descrevemos o processo de submissão, separação e suavização pelo qual passa o indivíduo que sofre de problemas psicológicos. Seu confidente, o mentor ou terapeuta, deve passar pela sua própria versão do mesmo processo triplo, para que seu ouvir e seus conselhos sejam realmente empáticos. Descreveremos agora este processo.
A submissão que o confidente deve mostrar é o completo foco de sua atenção e interesse na pessoa que nele confia. Isso abrange silenciar as vozes dentro da sua mente que competem por sua atenção, e assim corresponde ao significado da primeira sílaba da palavra chashmal, silêncio.
Tal concentração é possível apenas quando motivada pelo verdadeiro amor, baseado no encontro fundamental entre duas almas que aqui ocorre. Este amor é o que faz a diferença entre interesse real por parte do terapeuta e curiosidade superficial.
O confidente só consegue relacionar-se com a pessoa que nele confia com base no verdadeiro amor, quando não demonstra uma atitude de condescendência. Sua postura deve ser a de que é totalmente artificial e desconfortável para ele fazer o papel do terapeuta, e a pessoa sentada à sua frente agir como paciente. Ao contrário, é exatamente pela Divina Providência que isso acontece dessa forma, e os papéis poderiam facilmente ser invertidos. Afinal, "a corrida não é vencida pelo que é rápido, nem a batalha pelo forte, nem o sábio ganha pão, nem a riqueza por homens de entendimento, nem favores por homens de talento; mas a ocasião e a sorte acontecem para todos eles" (Cohêlet 9:11). Nas palavras de nossos Sábios, a roda da fortuna gira no mundo; aquele que é rico hoje pode não ser rico amanhã, e aquele que é pobre hoje pode não ser pobre amanhã. Se isso é verdadeiro a respeito da fortuna material, certamente é verdadeiro quanto ao bem-estar e todas as coisas que conferem tranqüilidade à mente..
A separação que o confidente deve evidenciar é o processo interior de filtragem pelo qual deve passar quando escuta o indivíduo que nele confia. Deve peneirar as diferentes respostas que ocorrem a ele, descartando primeiro aquelas que se originam e expressam as regiões ainda não retificadas de sua própria psique, e em segundo, aquelas que se originam em um bom lugar, mas são mais relevantes a si mesmo que ao paciente. Quando isso for feito, deve arquivar em separado as reações rejeitadas para sua própria reflexão posterior, e assegurar-se que elas não influenciam sua atitude ou respostas durante a terapia.
Se ele escolher considerar estas respostas irrelevantes e indesejadas a partir de uma perspectiva mais profunda, o confidente de fato perceberá que elas são uma bênção disfarçada. A Divina Providência enviou a pessoa que sofre a ele, a fim de torná-lo consciente das áreas de sua própria psique que necessitam de tratamento mais aprofundado.
Nossos Sábios dizem: "Quem é sábio? Aquele que aprende com todas as pessoas." O Báal Shem Tov ensina que o significado profundo desta declaração é que a pessoa deveria aprender mesmo com o comportamento de um indivíduo perverso. O fato de que a Divina Providência arranjasse para que tal pessoa cruzasse o caminho de alguém é a fim de mostrar-lhe que o mesmo mal que ele observa na pessoa perversa de certa forma existe nele próprio. Pode existir nele de modo muito mais abstrato ou refinado, mas como a pessoa geralmente não percebe suas próprias faltas, D'us nos torna consciente delas mostrando-as a nós em outras pessoas. Quando o indivíduo retifica a falta em si mesmo, conclui o Báal Shem Tov, purifica também a pessoa na qual ele observou a falta.
É ensinado ainda no Chassidismo que esta é a maneira adequada de cumprir o mandamento de admoestar o próximo (Vayicrá 19:17). Quando se observa alguém cometendo um pecado ou manifestando alguma falha, deve primeiro considerar se, e como, ele próprio é culpado (de alguma forma) da mesma falha, corrigi-la em si mesmo, e somente então agir para diplomaticamente ajudar a outra pessoa a sair desta situação. Esta metodologia é, naturalmente, relevante também no processo terapêutico, como já vimos.
Quando o Rebe chassídico Rabi Dov Ber de Lubavitch terminava de receber pessoas em audiência privada, tinha de mudar a camisa porque ela ficava encharcada de suor. Quando lhe perguntaram a respeito, ele explicou que quando alguém entrava em seu estúdio em busca de conselhos, ele se despia de suas próprias "roupas" e colocava as "roupas" daquela pessoa, a fim de entender totalmente seu problema, e então vestir novamente suas próprias "roupas" para enxergar objetivamente o problema e oferecer conselhos a partir de sua própria perspectiva. O esforço despendido ao fazer isso repetidamente é que lhe fazia suar tão profusamente. Vemos aqui que o mentor ou terapeuta deve mover-se cuidadosamente entre a total identificação subjetiva com o mundo da pessoa que o procura, e conservar-se em seu próprio mundo, mantendo a distância que lhe possibilita ter uma observação objetiva.
O estágio de suavização do confidente é o mesmo da pessoa que nele confia. É o diálogo no qual, juntos, acham as soluções adequadas e o confidente oferece o apoio necessário para transformar o mal em bem.
Ansiedade Positiva
A conclusão a que chegamos através de nossa discussão é que embora quando não tratada a ansiedade pode e certamente provocará conseqüências negativas face ao bem estar mental da pessoa, a terapia apropriada pode levar alguém a um nível mais elevado de saúde mental que poderia conseguir de outra forma. Assim, indiretamente, a ansiedade (e mesmo a existência do mal no subconsciente) pode ser um benefício ao desenvolvimento mental e espiritual da pessoa. A ansiedade não é algo negativo em si mesma; apenas quando deixada para infeccionar sem tratamento é que se manifesta em aparições negativas na psique da pessoa.
Voltaremos agora nossa atenção para uma forma de ansiedade que não somente não é negativa, mas na verdade uma contribuição positiva ao bem-estar geral da pessoa, servindo como uma fonte de motivação rumo a uma ação virtuosa.
Começaremos mencionando que nossos Sábios declaram que D'us revela os segredos da Torá somente para uma pessoa ansiosa. A ansiedade, então, é um requisito para o aprendizado e a compreensão da dimensão interior da Torá. O que isso significa é que há algum valor de resgate na ansiedade que faz a pessoa que sofre com ela entender e relacionar-se com aspectos da Torá que alguém que não sofra de ansiedade não conseguirá relacionar-se ou entender.
A Torá é um corpo extensivo de conhecimento, tanto no que tange à quantidade de informação que envolve quanto os tipos de conhecimento que abrange. Além do próprio texto da Bíblia em si, o tipo de conhecimento mais básico que a Torá envolve é a forma adequada para a pessoa conduzir sua vida em cumprimento à vontade de D'us. Este é o aspecto legal da Torá, que inclui as leis em si, suas derivações, o arrazoado por detrás delas, e a metodologia para derivar novas leis. Visto que as mesmas leis de conduta e regras a respeito do cumprimento dos mandamentos de D'us aplicam-se a todos, este corpo de conhecimento é também chamado de aspecto revelado da Torá. O dever de entender e conhecer a lei recai igualmente sobre todos, e não depende de nenhuma realização moral anterior, ou qualidades especiais. De forma mais simples: todos devem saber como conduzir sua vida segundo a vontade de D'us, portanto todos devem estudar o aspecto revelado da Torá.
O sucesso no estudo deste aspecto da Torá depende apenas da qualidade e quantidade do esforço que a pessoa despende em sua busca. Qualquer pessoa que aplicar-se adequadamente a este objetivo tem certeza de realizá-lo.
As camadas interiores da Torá, porém, não tratam de padrões comuns de comportamento, mas com a vida emocional do indivíduo, e a dinâmica de seu relacionamento pessoal com D'us. Como cada pessoa tem uma personalidade diferente, este aspecto da Torá é muito mais subjetivo e relativo que o aspecto revelado. É portanto conhecido como o aspecto oculto da Torá, pois seus ensinamentos tratam do aspecto pessoal da vida de um indivíduo, que geralmente é oculto de outras pessoas.
Esforço e dedicação não são suficientes para assegurar o sucesso no estudo deste aspecto da Torá; aqui exige-se do estudante que sofra de ansiedade.
Isso é porque os segredos da Torá lançam luz sobre os problemas existenciais do homem e do mundo em geral; eles constituem uma resposta abrangente aos problemas mais essenciais e importantes do mundo. Ora, se não há pergunta não há necessidade de uma resposta. Assim, somente alguém que é perturbado pelas incongruências da vida, cuja alma grita por uma solução a todas as dúvidas aparentemente insolúveis que a vida apresenta, pode esperar entender este aspecto da Torá. Se a pessoa de forma alguma é incomodada por dúvidas tais como: por que fui criado e por que existe o mal (ou o sofrimento) no mundo, a dimensão interior da Torá não lhe dirá nada.
Assim, sofrer de alguma ansiedade trai um nível de sensibilidade, de sentimento, de carinho. Uma pessoa que não sofre de nenhuma ansiedade não tem um senso de patético em sua vida, e portanto é indiferente às questões referidas pelos segredos da Torá.
Esperando Mashiach
As questões existenciais mais essenciais da vida podem ser todas resumidas em uma geral: por que Mashiach (o messias) ainda não chegou? Esta é talvez a dúvida mais essencial enfrentada hoje pelo homem.
Infelizmente há uma confusão generalizada envolvendo o assunto de Mashiach nos dias de hoje. A que ponto Mashiach e a era messiânica que ele trará são elementos essenciais da crença judaica é grandemente desvalorizado ou desconhecido. E mesmo entre aqueles conscientes da centralidade destes conceitos no judaísmo, é largamente aceito que o advento de Mashiach não é algo com que precisamos nos preocupar ou tentar apressar ativamente. Um debate detalhado das fontes destes conceitos errôneos por um lado, e sua refutação por outro, está além do propósito deste artigo. Nesta altura, será suficiente confirmar que a crença no Mashiach, sua chegada iminente e nosso dever de apressar sua vinda são facetas essenciais da crença judaica.
Isso é porque a mensagem de Mashiach é que o mundo não é perfeito, e sua imperfeição é não apenas o resultado de umas poucas falhas menores; existe algo de fundamentalmente errado, incongruente e anômalo sobre a própria fibra da existência. Há uma visão de como D'us pretendia dirigir o mundo e não é essa. A crença em Mashiach é a expressão de nossa radical não aceitação da realidade como ela é, a corajosa recusa de ficar satisfeito com a ordem atual. Esta, por sua vez, está baseada na visão de perfeição mundana retratada na Torá.
Assim, a vinda de Mashiach é o cumprimento da promessa da Torá que o mundo pode, deve, e de fato finalmente se tornará uma morada para D'us. A era messiânica é a resposta a todos os problemas, pois todos os problemas se originam na consciência decaída que será curada quando Mashiach chegar.
Para a pessoa que se importa, porém, a chegada de Mashiach e o início da era messiânica é crucial. Não é uma aspiração abstrata para a qual queremos ir em nossos conflitos com a vida; é uma necessidade, um imperativo ontológico. O fato de Mashiach ainda não ter chegado é motivo de grande preocupação. O enigma por trás da demora em sua vinda deve ser solucionado. Todas as outras ansiedades podem se resumir a esta suprema ansiedade.
A medida em que a pessoa está preocupada apenas com suas ansiedades e problemas particulares é inversamente indicativa do quão seriamente os considera. Em outras palavras, ao não generalizar sua preocupação com seus problemas pessoais à preocupação com a angústia comum da humanidade, um indivíduo está dando testemunho de que seus problemas não o incomodam o suficiente para motivá-lo a suprimir a razão subjacente para sua existência. Ele ficaria feliz de colocar um curativo temporário que aliviará sua dor imediata, e irá em frente com sua vida. Ao universalizar o alcance de sua preocupação à vinda de Mashiach, ele está demonstrando seu desejo de colocar a realidade, incluindo a sua própria, de volta nos trilhos de uma vez por todas.
Assim, ao exibir ansiedade pela demora de Mashiach, nós apressamos sua vinda. Como o Lubavitcher Rebe declarou repetidamente: Se tivéssemos realmente ansiado pela vinda de Mashiach, ele teria vindo há muito tempo.
Mesmo se alguém passou pelo completo processo terapêutico acima detalhado e ascendeu a escada da espiritualidade a tal ponto que sua consciência é integralmente aquela de sua alma Divina, ele não está imune a esta suprema ansiedade. Embora tenha feito as pazes com todas as ansiedades circunstanciais que normalmente infernizam as pessoas, uma ansiedade básica permanece, a qual resulta das limitações inerentes da criação.
A Cabalá e o Chassidismo ensinam que a alma, no decorrer de sua descida para o corpo, perde a infinita percepção da Divindade que gozava antes. Ao penetrar no mundo físico, que está circunscrito pelas limitações de tempo e espaço, a alma é forçada a entender tudo e relacionar-se com tudo no contexto e nos termos de tempo e espaço. É quase impossível para a mente imaginar um nível de realidade que esteja fora destas limitações. Alguém que esteja em harmonia com este fato e cujo coração deseje conhecer e apegar-se a D'us é fundamentalmente frustrado por esta realidade.
Dessa forma, mesmo o indivíduo mais justo, o paradigma da perfeição espiritual, está sujeito à profunda ansiedade e sofrimento, pelo simples fato de ser uma criatura, presa no contexto, limitações e módulos conceituais do mundo físico. Como estas limitações na fisicalidade serão finalmente removidas após a vinda de Mashiach, este indivíduo deve, também, aspirar por sua chegada e ficar ansioso para apressá-la.
Seja da forma que for, a ansiedade pela vinda de Mashiach tanto concentra como intensifica a preocupação da pessoa com a imperfeição da vida. Quando o indivíduo generaliza sua preocupação com a condição geral da realidade subjacente não redimida, seja ao nível do sofrimento humano comum ou as constrições existenciais da criação, sua ansiedade toma significado e escopo muito mais abrangentes e mais profundos. Dessa maneira, se a ansiedade em geral prepara uma pessoa para o estudo da dimensão interior da Torá, a ansiedade pela vinda de Mashiach a prepara para a grande e suprema revelação da dimensão interior da Torá que acompanhará o advento da era messiânica. Pois aprendemos que a dimensão interior da Torá que conhecemos atualmente é apenas um aperitivo da revelação da dimensão interior da Torá que testemunharemos com a vinda de Mashiach.
A centelha de Mashiach
É ensinado pelo Chassidismo que todo judeu tem dentro de si uma centelha ou elemento de Mashiach. Esta é a habilidade que tem para agir com uma força redentora para si próprio, aqueles que conhece, e em resumo, tudo no mundo com o qual ele entra em contato.
Assim como a revelação do Mashiach em geral depende da humanidade ficar ansiosa pela sua demora, a efetivação da centelha de Mashiach em cada indivíduo exige primeiro que ele fique ansioso pelo fato de que esta centelha ainda não aflorou e se manifestou.
O complexo mais profundo na psique de um indivíduo é a frustração que sente por não ser capaz de efetivar completamente seus potenciais, corresponder àquilo que ele sente ser capaz de tornar-se. No fundo, ele sabe que sua alma Divina é uma parte de D'us, por assim dizer, e por ela ele é capaz de revelar a presença de D'us no mundo. O fato de que esteja impedido de fazê-lo o incomoda profundamente. Esta frustração é equivalente à frustração por não ser capaz de efetivar sua própria centelha interior de Mashiach.
Conclui-se que a centelha de Mashiach dentro do indivíduo é que provoca sua ansiedade existencial. Quanto mais a pessoa começa a pensar em termos de objetivo de vida, o propósito de sua própria vida, e a urgência de retificar a realidade, mais intensa torna-se sua ansiedade. Como já percebemos, esta ansiedade sensibiliza a pessoa para a profundidade e paixão da dimensão interior da Torá, e a capacita a entender mais e mais dela. Embora o estudo da dimensão interior da Torá sirva para elevar a consciência da pessoa sobre o propósito da vida e a urgência da redenção, e assim intensificar seu anseio por Mashiach, também favorece sua crença e otimismo quanto à iminência da redenção. Isso serve para suavizar a aspereza de sua ansiedade sobre Mashiach, sem diminuir sua intensidade. Assim como a intensidade do anseio da pessoa por Mashiach em geral apressa sua chegada, a ansiedade pela revelação da centelha de Mashiach catalisa sua revelação.
A revelação da centelha de Mashiach dentro de um indivíduo não é algo só para uma vez. Como a alma Divina incorpora infinitas camadas de potencial, assim que a pessoa atualiza e exaure um nível, torna-se cônscia de um novo, mais profundo e mais poderoso nível a seu alcance.
Dessa maneira, uma pessoa espiritualmente orientada e progressista vive numa contínua dinâmica de tensão e realização, que sobe continuamente como espiral para níveis mais altos de realização de sua centelha de Mashiach, sua capacidade de redimir o mundo. Quanto maior sua ansiedade, mais ele é inspirado a revelar sua centelha interior de Mashiach, aprofundar seu relacionamento com D'us, e mergulhar nos segredos da Torá. Quanto mais ele efetiva seu potencial de redimir o mundo, aprofundar seu relacionamento com D'us, e aprender sobre a dimensão interior da Torá, mais ele sente a urgência para a redenção e a ansiedade intensificada por causa de sua demora.
Toda resposta às anomalias da vida oferecidas pela Torá provoca outra questão, mais profunda, como conseqüência, pois a Torá é infinita e portanto a compreensão que dá sobre a vida àqueles que a estudam é também infinito. Cada nível de entendimento é desafiado e substituído por um nível seguinte, mais profundo.
A contínua dinâmica de tensão e resolução é necessária para um crescimento espiritual continuado do indivíduo. Pois com toda resposta, cada novo e abrangente entendimento da realidade que se adquire, vem um senso de satisfação por tê-lo atingido. Esta satisfação naturalmente gera complacência: o problema é solucionado, nós temos a resposta. Nada engrandece mais o ego que o sentimento de possuir todas as respostas. Portanto, é necessário impedir este engrandecimento do ego sentindo uma questão nova e mais profunda imediatamente após encontrar a resposta para a questão anterior.
Naturalmente, o infinito deste processo não significa que jamais chega a uma conclusão. Ensina-se na Chassidut que quando uma certa massa crítica das centelhas coletivas individuais de Mashiach é revelada, causará ao Mashiach geral ser revelado e a redenção suprema e final ocorrerá.
Como agora entendemos a centelha de Mashiach dentro de cada pessoa como um processo de contínuo crescimento espiritual, é lógico presumir que exibirá a mesma estrutura tripla que tipifica qualquer processo de crescimento espiritual.
A ansiedade pela demora da vinda de Mashiach, o sentimento de impotência face à enormidade da não compleição do mundo, é a fase de submissão da centelha de Mashiach.
Nossos Sábios ensinam que Mashiach virá quando não se estiver pensando nele. Embora esta declaração pareça sugerir que a melhor forma de apressar a vinda de Mashiach é ignorando o assunto, essa obviamente não pode ser a intenção deste ensinamento, pois nossos Sábios declararam a constante expectativa da era messiânica como sendo um dogma fundamental do judaísmo. Nas palavras dos profetas (Chabacuc 2:3): "Se ele tardar, espere por ele, pois certamente virá, sem demora."
Ao contrário, o significado é que devemos acreditar na chegada iminente de Mashiach, apesar do fato de que o mundo parece despreparado e não merecedor disso. Há muitos sinais de que nossa era está madura para a Redenção, mas de muitas maneiras parece longe de estar pronto. Nossos Sábios estão nos dizendo que devemos acreditar com perfeita fé que Mashiach pode chegar a qualquer minuto, não importa o quanto isso pareça improvável. Embora a situação do mundo seja tal que ninguém pensa que ele pudesse vir agora, devemos crer que apesar disso sua chegada é iminente.
Esta é a fase de separação do processo de revelação de Mashiach, na qual estamos para nos libertar de quaisquer noções pré-concebidas a respeito do que deve estar em ordem para que Mashiach venha.
A fase na qual uma centelha individual de Mashiach está brilhando e ele está ativamente engajado na redenção de sua parte do mundo é o processo de suavização.
Merecendo a misericórdia
Mencionamos várias vezes a necessidade para o indivíduo que procura a terapia de sentir-se envolvido pela misericórdia de D'us. O segredo para obter este sentimento está descrito no seguinte versículo do livro de Provérbios (28:13):
"Aquele que oculta suas transgressões não terá sucesso. Mas aquele que as admite e abandona, receberá misericórdia."
Sentir a misericórdia de D'us depende portanto de admitir os erros, sentir remorso por tê-los cometido, e resolver não repeti-los (os dois últimos requisitos estão contidos na idéia de abandono). Este triplo processo de mudança é conhecido no judaísmo como "teshuvá", tipicamente mal traduzido como arrependimento mas significando mais precisamente retorno, tanto para D'us e a uma visão mais nobre de si mesmo.
Através da teshuvá, a pessoa libera e se redime de seu estado atual, libertando-se dos padrões comportamentais nos quais estava previamente encerrado.
Como teshuvá é um processo de crescimento espiritual, podemos comparar seus estágios com os três estágios que tipificam o processo de crescimento espiritual, como se segue:
Confissão é claramente um ato de submissão, de humilhação do próprio ego. Abandonar o pecado pelo arrependimento e resolver não repeti-lo é um ato de separação. Sentir-se envolvido e apoiado pela misericórdia de D'us é a fase de suavização do processo.
A própria teshuvá é um processo triplo, passando pela faceta intelectual, emocional e comportamental da consciência do homem. A pessoa deve primeiro admitir a verdade intelectualmente. Deve parar de se enganar (ou deixar-se ser enganado) a pensar que o pecado não é um pecado. Ele deve então sentir-se emocionalmente em débito para com D'us pela oportunidade de mudar. Finalmente, deve tanto reconhecer o fato de que fez algo errado e resolver não repeti-lo no futuro.
O quadro geral então fica assim:
Admissão da verdade / Confissão do erro / Submissão / IntelectoEm débito pela oportunidade de mudar / EmoçãoResolução de não repetir o pecado Separação / ComportamentoReceber a misericórdia de D'us / Suavização
Assim como a misericórdia é o atributo mais essencial de D'us, o padrão psicológico triplo de admissão, dívida e resolução de não repetir o pecado é a atitude mais básica que caracteriza a psique judaica. Dessa maneira, é habitual que as primeiras palavras que um judeu diz ao acordar pela manhã, a afirmação que serve como alicerce de sua consciência para o restante do dia, é: Eu agradecidamente reconheço, Rei vivo e eterno, que Tu restauraste minha alma para mim; Tua fé [em mim] é grande.
Nesta frase, o judeu expressa todos os três sentimentos que acabamos de mencionar: ele admite a verdade a respeito do propósito da vida; que D'us é o verdadeiro governante do mundo e único árbitro do que é bom e do que é mau. Ele dá graças a D'us pelo dom da vida renovada para restaurar-lhe a alma. E ele confessa sua culpa por não corresponder ao seu potencial, reconhecendo a confiança de D'us de que ele fará melhor hoje, apesar das falhas de ontem.
Bem e Mal
A Cabalá entende o bem e o mal como pólos opostos na série da moralidade. Isso significa que qualquer situação ou entidade na vida contém elementos tanto do bem quanto do mal. A capacidade do homem de descer com segurança a série moral rumo ao pólo do mal a fim de transformá-lo em bem é uma função de quão fortemente ele está ancorado nas regiões superiores da série, próximo ao pólo do bem. Quando ele está firmemente ancorado no bem, ou seja, ele sente-se próximo em seu relacionamento com D'us, não teme revelar nenhum mal dentro de si mesmo ou no mundo, e sua descoberta não representa uma ameaça à sua crença geral no triunfo definitivo do bem e da santidade.
A natureza animalesca do homem o impele incessantemente em direção ao pólo do mal, para longe da consciência de D'us, ao passo que sua alma Divina o impulsiona rumo ao pólo do bem. O espírito do homem ascende rumo ao alto, mas o espírito do animal dirige-se para baixo, rumo à terra. Sua capacidade de permanecer ancorado na bondade, então, depende de seu sucesso em dar à sua alma Divina a precedência sobre sua alma animalesca.
Aprendemos no Talmud que quatro Sábios, Rabi Akiva e três de seus discípulos, engajaram-se em técnicas meditativas místicas e ascenderam aos reinos transcendentes da consciência Divina. Ben Azai contemplo [a Divina glória] e morreu; sobre ele, as Escrituras [profeticamente] declaram: "Caro à estima de D'us é a morte de Seus devotos" (Salmos 116:15). Ben Zoma olhou e enlouqueceu; sobre ele as Escrituras declaram: "Você encontrou mel; coma [não mais que] sua cota, do contrário ficará repleto e vomitará" (Mishlê 25:16). O outro, [Elisha ben Avuya, olhou e] tornou-se um herege. Rabi Akiva entrou em paz e saiu em paz.
A Cabalá explica que cada um destes Sábios tentou retificar o pecado de Adam (Adão) e seu efeito sobre o mundo. Antes do pecado, o bem e o mal existiam em dois reinos separados e não se misturavam de forma alguma. Quando Adam e Eva comeram o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, estes se misturaram, e a série moral a que se referiu anteriormente foi criada. O erro de Elisha ben Avuya foi que tentou retificar o pecado lidando diretamente com o mal, e foi negligente ao deixar de ancorar-se firmemente ao bem. Concentrando- se inteiramente no mal do mundo, ele perdeu a habilidade de reconciliar sua existência com um D'us benevolente e amoroso. As perguntas apresentadas pelo mal foram grandes demais para ele; concluiu que não há nenhum D'us e tornou-se um herege.
Conta-se que ele observou alguém que pediu ao filho para subir numa árvore e trazer-lhe alguns filhotes de passarinho. O filho, que obedeceu, estava cumprindo dois mandamentos da Torá de uma só vez: honrar o pai (Shemot 20:12) e espantar a ave mãe do ninho antes de pegar seus filhos (Devarim 5:16). A recompensa prometida para estes dois mandamentos é vida longa, mas o filho acidentalmente caiu da árvore e morreu. A anomalia foi demais para Elisha ben Avuya suportar.
Rabi Akiva, em contraste, procurou retificar o pecado de Adam ao enfatizar o bem e ao sobrepujar o mal indiretamente. Embora não conseguisse no final, mesmo assim foi capaz de emergir ileso da tentativa. Como permaneceu arraigado à consciência da bondade de D'us, o mal no mundo não constituiu uma contradição para ele.
Manteve sua perspectiva até o fim da vida. Quando foi apanhado ensinando Torá durante as perseguições de Adriano, foi condenado à morte. Enquanto os romanos rasgavam sua carne com ancinhos de ferro, ele recitava o Shemá: Ouve, ó Israel, o Eterno é nosso D'us, o Eterno é Um, a declaração da unicidade de D'us. Ele prolongou a recitação da palavra "Um" até que expirou enquanto a pronunciava. A existência do mal não apresentou nenhuma questão para sua fé; ao contrário, sua fé era tão forte que pôde sentir-se perto de D'us mesmo quando sua carne estava sendo rasgada com ancinhos de ferro.
Terapia e caminhos chassídicos
Existem três correntes principais de pensamento e abordagens ao serviço de D'us no Movimento Chassídico. O Báal Shem Tov foi o pai de todas estas correntes. Podemos associar as três com os três aspectos da terapia, baseados nas três traduções do verbo no versículo de Mishlê (Provérbios) sobre o qual nossa discussão da terapia concentrou-se.
Tsadic, Benoni e Rashá
Suprimir a ansiedade através da submissão e da prece lembra a abordagem de Rabi Nachman de Breslov. O Chassidismo de Breslov concentra-se no isolamento meditativo no qual o chassid verbaliza suas ansiedades e problemas com D'us, a profusa recitação de salmos e preces peticionárias, e uma ênfase geral na simples humildade e submissão perante o Criador. Claramente, a trajetória de Rabi Nachman de Breslov é dirigida à pessoa que ainda se considera nas garras de sua má inclinação, um rashá. O conselho que ele oferece e o tipo de comportamento que desenvolveu visam principalmente impedir que a pessoa se desespere com sua situação. Seu caminho encoraja o indivíduo a lembrar-se que D'us está com ele o tempo todo, seja qual for a profundeza na qual tenha caído. Em qualquer circunstância, ele pode chamá-Lo e conectar-se com Ele através da prece.
Ignorar a ansiedade lembra o sistema ético do Tanya, a obra fundamental do Chassidismo Chabad, escrito por Rabi Shneur Zalman de Liadi. No Tanya, Rabi Shneur Zalman divide o povo judeu em três categorias, baseadas na relativa dominância de suas inclinações na direção do bem e do mal: o tsadic (pessoa justa) dominou sua ânsia de fazer o mal; o rashá (perverso) sucumbiu a ela; entre esses está o benoni (intermediário) , que não dominou sua ânsia de fazer o mal mas consegue refreá-la e nunca sucumbe a ela. É praticamente impossível para alguém tornar-se um tsadic por si mesmo. O máximo a que a pessoa pode aspirar é ser um benoni, e se D'us deseja agraciar o benoni fazendo dele um tsadic, Ele o fará. Assim, a imagem do benoni é aquela que a maioria das pessoas esforça-se para ser. Na verdade, o Tanya tem o subtítulo de O Livro dos Intermediários.
O benoni exige e recebe uma diferente abordagem psicológica à vida em geral (e sua própria psique em particular) que aquela de um tsadic ou rashá. Por um lado, ele não ousa ignorar o mal que ainda está dentro dele e considera-se um tsadic, por outro lado, ele precisa não ter o medo do rashá de confrontá-lo. Ao contrário, o maior foco de sua vida espiritual está em lidar com sucesso com seu próprio mal interior, na forma de seu ego, que o impede de desenvolver seu relacionamento com D'us.
Rabi Shneur Zalman aconselha o benoni a ignorar suas ansiedades. Ele deve concentrar-se em encher seu vazio com a água da Torá. É assim que retifica, embora indiretamente, seu subconsciente.
Embora o benoni não tenha superado totalmente sua ânsia de fazer o mal e livrar-se de seu desejo de condescender com o proibido, ainda não está pronto para enfrentar abertamente seu lado mais obscuro. Ele pode jamais atingir este nível. Porém, ao ignorar suas ansiedades e engajando-se ativamente em preencher sua mente com pensamentos positivos e puros, ele terminará por neutralizar quaisquer aspectos deletérios do subconsciente.
A rara exceção a isso é o indivíduo que D'us destacou para ser um justo consumado desde o dia de seu nascimento. Tal pessoa não é tolhida por não ter jamais pecado. Ela pode vivenciar a ânsia pela redenção em virtude de ser uma entidade criada, presa pelas restrições do tempo e espaço. Porém, jamais viverá o sofrimento e o terror de saber o quanto ele mesmo pode agravar a situação da realidade não redimida.
Articular a ansiedade relembra o caminho no serviço de D'us promulgado principalmente por Rabi Elimelech de Lizhensk e seus discípulos. Rabi Elimelech, em seus ensinamentos, enfatiza o papel do tsadic, especialmente quando ele assume o manto da liderança como um rebe. Este foco na completa transformação do mal em bem nas mãos do praticante chassídico consumado é a expressão mais completa da visão messiânica do Báal Shem Tov. Através deste processo, o mundo de fato começa a vivenciar algo da metamorfose que ocorrerá quando Mashiach vier. Quando uma determinada massa crítica desta consciência é atingida, fará a revelação de Mashiach ocorrer de fato.
Nos ensinamentos deste ramo do Chassidismo, quanto mais o populacho em geral reconhece e valoriza a exaltada estatura espiritual do tsadic, mais será devotado a ele. Isso dispensa a necessidade para eles de confrontar seu mal interior por si mesmos, pois a santidade do tsadic os envolve e neutraliza seu lado obscuro, capacitando- os a estabelecer uma verdadeira e profunda conexão com D'us. Em contraste com o Tanya, podemos considerar a literatura produzida por estes líderes (especialmente a obra de Rabi Elimelech, Noam Elimelech) o livro dos justos, livros de orientação para rebes e aqueles que os seguem.
Os livros terapêuticos da Bíblia
O texto hebraico da Bíblia é anotado com sinais diacríticos que indicam como deve ser entoado. Estes sinais, conhecidos como sinais de recitação, indicam tanto a melodia a ser usada para cada palavra e a cadência geral do versículo. Assim, são tanto uma estenografia musical como uma orientação para a estrutura gramatical do texto.
O mesmo sistema de sinais de recitação é empregado para todos os livros da Bíblia, com a exceção de três, que usam um sistema só deles. Estes três livros são Salmos, Provérbios e Jó (Tehilim, Mishlê e Iyov). O sistema de recitação usado nestes livros é mais complexo e intricado que o sistema comum, e é também mais difícil para cantar. Muitas comunidades judaicas, se não a maioria, perderam o conhecimento da exata rendição deste sistema de recitação.
O fato de que estes livros são elaborados e entoados de maneira singular, complicada e de certa forma esotérica os coloca à parte dos outros livros da Bíblia, como se refletissem uma camada mais profunda e penetrante do entendimento da vida. Esta opinião é reforçada por seu profundo conteúdo filosófico e emocional, que os distingue da outra literatura narrativa e de sabedoria que compõe as Sagradas Escrituras. Assim, embora toda a Bíblia seja, é claro, rica de percepções sobre a natureza e psicologia humana, estes três livros podem ser considerados a quintessência dos livros bíblicos psicológicos.
De fato, após um exame mais detalhado, podemos comparar cada um destes três livros com uma das três abordagens à terapia psicológica que discutimos. Elas podem então ser vistas como uma progressão seqüencial de consciência, correspondendo àquelas três facetas da terapia. A ordem em que estes livros aparecem, um após o outro, na maior parte das edições da Bíblia, segue esta seqüência evolucionária.
Jó: articulação / suavizaçãoProvérbios: ignorar / separaçãoSalmos: supressão / submissão.
Salmos é o livro de prece e apelo a D'us. É um costume judaico tradicional abrir o coração a D'us através da recitação dos Salmos com o coração ferido em tempos de dor e sofrimento.
Os Salmos foram escritos pelo Rei David, o doce cantor de Israel (Samuel II 23:1). O Rei David personificava os traços de caráter de humildade e submissão, como evidenciado pela sua resposta à sua esposa Michal, quando ela escarneceu dele por dançar desinibidamente perante a Arca da Aliança, à vista das servas (Ibid. 6:22). "Eu sempre fui inferior em meu próprio conceito." Em virtude de sua inferioridade perante D'us (como também perante as classes inferiores), David recebeu a força e a convicção que lhe permitiram liderar seu povo destemidamente, com a autoridade adequada ao Rei de Israel.
Provérbios é o Livro Divino de ética, escrito pelo Rei Salomão.
O clássico comentarista Rashi escreve no início de seu comentário ao Livro dos Provérbios: Todas as declarações [do Rei Salomão] são parábolas e analogias. Ele compara a Torá a uma boa mulher e a idolatria a uma rameira. Ele usou estas analogias a fim de ensinar sabedoria e ética ao homem, de que ele deveria dedicar-se ao estudo de Torá, que é a verdadeira sabedoria, ética e compreensão.
No final do livro, o pai sábio adverte seu filho sobre como escapar da má inclinação e a manter distância dela. O conselho que ele dá é para substituir os pensamentos plantados pela má inclinação por pensamentos sobre os atrativos da Torá, que é comparada a uma boa mulher, uma adorável gazela e uma graciosa cabra montesa (Provérbios 5:19).
Este é o processo terapêutico da separação, no qual uma pessoa extirpa o pensamento estranho da mente substituindo- o por um pensamento positivo, dirigido à Torá. Desta maneira, ela retifica sua psique deformada e circuncida seu coração, abrindo-o à santidade e purificando- o de todas as formas de ansiedade negativa.
Jó: Articulação e Suavização
O livro de Jó é praticamente um manual de psicologia, descrevendo em detalhes o processo de psicanálise.
Jó sofre de uma ansiedade psicológica, uma dor existencial que não pode suportar. Quando se confronta com isso pela primeira vez, comporta-se como um enlutado inconsolável, que não consegue dar vazão a seu sofrimento. Mesmo após sentar-se em silêncio por um prolongado período na presença de três amigos que foram visitá-lo para oferecer conforto, ele é incapaz de livrar-se da dor, e começa a falar amaldiçoando o dia em que nasceu. Segue-se um diálogo infrutífero entre ele e seus amigos, sobre todos seus fardos, e reclamações contra D'us. Depois disso aparece um novo personagem, Elihu ben Berachel, que fala com preocupação honesta sem afetação, e finalmente o próprio D'us se dirige a Jó e o reprova. Jó recupera-se psicológica e fisicamente, e retorna a seu estado anterior de saúde e bem-estar.
Embora Jó não blasfemasse contra D'us, ele não aceitou seu sofrimento como justificado, e portanto não o aceitou com amor e submissão perante D'us. Seus três amigos tentaram fazer terapia com ele (cada um usando uma técnica psicológica diferente) e convencê-lo, sem sucesso, de que seu sofrimento não era sem motivo. Foi depois disso tudo que o jovem Elihu, que tinha ficado quieto durante todo o diálogo precedente em deferência aos mais velhos, ofereceu sua admoestação, sensível porém convincente.
Elihu introduz suas declarações dizendo: "Pensei que a idade falasse, e que a passagem dos anos conferisse sabedoria." Mas quando ele viu que eles não poderiam responder a nenhuma das queixas de Jó, ele ficou desiludido com os anciãos e concluiu que, ao contrário, é o espírito dos homens e a alma de D'us [dentro dele] que lhes dá o entendimento (Livro de Jó 32:7-8). A fonte da verdadeira resposta a Jó está na inspiração Divina, que pode existir em uma pessoa jovem tão facilmente como em um ancião. Somente através da ajuda e inspiração de D'us um conselheiro ou terapeuta pode ter a esperança de penetrar nas profundezas do subconsciente da pessoa, e assim ajudá-la a resolver seus problemas psicológicos.
Elihu, que começa o processo da verdadeira cura, faz o papel de Eliyáhu, o Profeta, o arauto da verdadeira e suprema Redenção messiânica.
Mashiach é o psicólogo consumado que desvenda todos os pesadelos retorcidos do amargo exílio, revelando seu âmago bom. Mashiach saberá como abrir a todos e possibilitar- lhes a articular sinceramente suas ansiedades; ele juntará todos os fragmentos dispersos da alma despedaçada de cada um e os trará de volta ao âmago imaculado de seu coração, que sempre foi fiel a D'us e Sua Torá. Como o Báal Shem Tov, ele relembrará o homem de sua identidade esquecida, e assim resolverá o enigma de seu mal psicológico. Esta é a dimensão psicológica da tarefa de Mashiach, reunir os dispersos de Israel de volta a Sion, pois Sion (que literalmente significa ponto ou marcador) simboliza na Cabalá o ponto mais íntimo do coração. O exílio dos judeus é uma metáfora para a consciência dispersa de uma pessoa que perdeu contato com seu ser interior.
Mashiach: O Supremo Psicólogo
No final do Livro de Jó, o próprio D'us dirige-se a Jó e desvela todos os mistérios da criação perante ele. Na análise final, Jó merece esta revelação dos segredos da Torá por ter sofrido de ansiedade. Seu sofrimento o leva até a total percepção da grandeza de D'us e da inferioridade do homem. O fim de sua jornada recorda o final do livro de Cohêlet (12:13): "O fim do assunto, quando tudo já foi dito, é: tema a D'us e guarde Seus mandamentos, pois este é o homem puro."
Os cinco interlocutores de Jó no diálogo (seus três amigos, Elihu e D'us) correspondem aos e expressam os cinco níveis da alma descritos na Cabalá e no Chassidismo. Os três amigos correspondem aos três níveis da alma que são investidos no (e portanto são limitados pelos parâmetros do) corpo. Estes são os poderes vivificadores da alma (nefesh), as emoções (ruach), e o intelecto (neshamá). Estes níveis da alma são incapazes de por si próprios resolver os problemas que afloram do subconsciente do homem. Elihu corresponde ao quarto nível da alma, a vontade (chaya), o qual, embora aja sobre o corpo, não é localizado dentro dele, e assim está parcialmente livre das restrições que impõe sobre os níveis mais inferiores da alma. A revelação de D'us a Jó corresponde ao quinto e último nível da alma (yechidá), a fonte da alma conforme ela forma parte do próprio D'us, como foi explicado acima.
A odisséia psicológica de Jó é, assim, a revelação dos aspectos mais profundos e elevados da alma, conseguido pelos sucessivos desnudamentos das limitações do corpo. A idéia de que, mantendo um diálogo com o terapeuta, uma pessoa pode livrar-se de seus problemas e dirigir-se às camadas de sua alma sendo expostas uma após a outra, está extensivamente documentada na literatura psicológica. O processo de falar consigo mesmo como se espelhando-se em outra pessoa ajuda durante o processo terapêutico.Porém, a chave definitiva para desemaranhar e curar o mundo estará disponível para nós apenas quando Mashiach chegar. Até lá, nas palavras do Talmud, não poderemos entender nem a tranqüilidade do perverso nem o sofrimento do justo. Certamente não podemos esperar entender todas as assombrosas tragédias que se abateram sobre nosso povo (e todos os povos). Somente quando Mashiach, o arqui-psicólogo, chegar poderemos discernir o bem oculto dentro do mal aparente. Pois então a escuridão se transformará em luz, e o amargor em doçura. A luz brilhará pela própria escuridão como as novas revelações da Torá que D'us nos mostrará. Então poderemos realmente dizer: Agradecerei a Ti, ó D'us, por ficares irado comigo, conforme Ele nos revela Sua bondade interior.

Nenhum comentário: